*** Sanctus...Sanctus...Sanctus *** E é importante apoiar-se numa comunidade ,mesmo que seja virtual,porque entre aqueles e aquelas que a compõem,encontram-se os que estão nos tempos em que o dia vai ganhando, pouco a pouco, à noite. Irm.Silencio

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Caminhos monásticos...!

Encontrei este texto já gasto no tempo... e logo agora que voltei a encontrar o Irmão.... permitam-me partilhá-lo mais uma vez... belas recordações...!


Peregrinações - VI


Foram segundos, quase não deu tempo de esboçar um olá… por detrás daquele rosto, naquele corpo enorme de um Gaulês típico, a fazer relembrar aquelas figuras do Obelix, aquele monge que me acolhia naquele dia de Verão à porta de uma Abadia em França – mal imaginava que iria ser o meu lar durante alguns anos - levava um rosto, de uma criança tímida e silenciosa…!
É claro que o silêncio era a “marca” se é que lhe podemos chamar assim, de qualquer monge trapista que ali habitava…! Mas aquele silêncio que ele levava, e se agitava por vezes como as searas que sobreviveram à ceifa, e ali ondulam solitárias nos campos, esse silêncio era outro…! Estranhamente outro…!
Foi demasiado rápido, sem desvios nem palavras inúteis – formas de diálogos de monges, como viria a aprender - a pergunta foi seca e forte, embrulhada naquela timidez de coração-menino:
- Que desejas Irmãozinho?
Eu bem tentei esboçar num francês meio trapalhão as razões que ali me levavam, mas ele, o monge, nem sequer me deu tempo para terminar a resposta…! Que o seguisse… as Vésperas iam começar e talvez fosse melhor ir ver…! Depois falaríamos – disse – virando-me logo as costas…!
Se perguntares porque o segui…! Como…! Olha nem eu sei, segui-o e pronto…parecia um cordeiro a ir para o matadouro, nem mugia nem tugia… fiquei tolhido, aquela frontalidade e aquela forma de falar anestesiaram completamente as minhas resistências…!
Na capela da Igreja, colocaram-me num dos bancos onde estavam sentados alguns sacerdotes diocesanos que estavam ali em retiro!
Confesso que o gregoriano foi uma perfeita trapalhada para mim, mas sova bem… sim, a verdade é que senti-me bem no meio daquela atmosfera monástica…!
Não sabia eu, é que a ceia era logo a seguir às Vésperas, o que significava que aqueles monges iriam sair da capela em fila direitos ao refeitório, silenciosos e de cabeça baixa…! A mim, levaram-me, um dos sacerdotes de retiro, para a Hospedaria, e, sorte a minha, tinham sempre alguma comida a mais para quem passasse já tarde e sem avisar, feito peregrino andarilhante, por aquelas terras do silêncio, …!
Não voltei a ver aquele monge naquele dia, outro monge, responsável da hospedaria, preparou um quarto e ali passei a noite…! Já agora…não dormi quase nada…! Primeiro, porque o meu quarto estava muito perto da torre do sino… ora, como tocava de hora a hora… imaginam… e segundo, o dia tinha sido e acabara tão estranhamente… quem poderia “cochilar- dormitar” com tanta emoção e ao mesmo tempo interrogação no coração…!
Foi um fim-de-semana em cheio… rodeado de vacas e de monges a cheirar a esterco com aventais azuis de ganga e botas de borracha… na ordenha…imaginem… o local onde andei nas minhas primeiras experiências monásticas, tudo porque aquele tal monge de cara de silêncios estranhos que me recebera à porta da Abadia, era o responsável da vacaria… ainda hoje parece que sinto o odor a vacarias…risos…
Regressei a Portugal logo após esse fim de semana, mas essa outra caminhada deixarei para um dia mais calmo… mas foi bom… estranhamente foi bom aquele silêncio interrompido pelo mugir de duzentas e tal vacas que queriam ser ordenhadas todas ao mesmo tempo… teimosas como tudo… pareciam-se tão bem com um outro coração que já conheci..risos…

3 comentários:

vp disse...

Santo dia...

...a foto não é da trapa mas do convento da cartuxa... se conseguem destinguir ao longe do claustro está um irmão com o carro da comida...deve ser a hora da distribuição pelas celas certamente...

Continuamos unidos em oração pelos enfermos do corpo e da alma...

Nele que nos guia nos caminhos da vida... santa semana


Maria-Portugal disse...

belo relato....qualquer coisinha lembra o meu primeiro contacto com a Trapa,em Espanha,no dealbar dos meus 20 anos...

Anónimo disse...

Relato muito vivo.... apetecia lá estar também, de alma repousada, a falar muito para dentro e pouco para fora.... Percebo as saudades.
um abraco!
Lila