Encontrei este texto já gasto no tempo... e logo agora que voltei a encontrar o Irmão.... permitam-me partilhá-lo mais uma vez... belas recordações...!
Peregrinações - VI
Foram segundos, quase não deu tempo de esboçar um olá…
por detrás daquele rosto, naquele corpo enorme de um Gaulês típico, a fazer
relembrar aquelas figuras do Obelix, aquele monge que me acolhia naquele dia de
Verão à porta de uma Abadia em França – mal imaginava que iria ser o meu lar
durante alguns anos - levava um rosto, de uma criança tímida e silenciosa…!
É claro que o silêncio era a “marca” se é que lhe
podemos chamar assim, de qualquer monge trapista que ali habitava…! Mas aquele
silêncio que ele levava, e se agitava por vezes como as searas que sobreviveram
à ceifa, e ali ondulam solitárias nos campos, esse silêncio era outro…!
Estranhamente outro…!
Foi demasiado rápido, sem desvios nem palavras inúteis
– formas de diálogos de monges, como viria a aprender - a pergunta foi seca e
forte, embrulhada naquela timidez de coração-menino:
- Que desejas Irmãozinho?
Eu bem tentei esboçar num francês meio trapalhão as
razões que ali me levavam, mas ele, o monge, nem sequer me deu tempo para terminar
a resposta…! Que o seguisse… as Vésperas iam começar e talvez fosse melhor ir
ver…! Depois falaríamos – disse – virando-me logo as costas…!
Se perguntares porque o segui…! Como…! Olha nem eu
sei, segui-o e pronto…parecia um cordeiro a ir para o matadouro, nem mugia nem
tugia… fiquei tolhido, aquela frontalidade e aquela forma de falar anestesiaram
completamente as minhas resistências…!
Na capela da Igreja, colocaram-me num dos bancos onde
estavam sentados alguns sacerdotes diocesanos que estavam ali em retiro!
Confesso que o gregoriano foi uma perfeita trapalhada
para mim, mas sova bem… sim, a verdade é que senti-me bem no meio daquela
atmosfera monástica…!
Não sabia eu, é que a ceia era logo a seguir às
Vésperas, o que significava que aqueles monges iriam sair da capela em fila
direitos ao refeitório, silenciosos e de cabeça baixa…! A mim, levaram-me, um
dos sacerdotes de retiro, para a Hospedaria, e, sorte a minha, tinham sempre
alguma comida a mais para quem passasse já tarde e sem avisar, feito peregrino
andarilhante, por aquelas terras do silêncio, …!
Não voltei a ver aquele monge naquele dia, outro
monge, responsável da hospedaria, preparou um quarto e ali passei a noite…! Já
agora…não dormi quase nada…! Primeiro, porque o meu quarto estava muito perto
da torre do sino… ora, como tocava de hora a hora… imaginam… e segundo, o dia
tinha sido e acabara tão estranhamente… quem poderia “cochilar- dormitar” com
tanta emoção e ao mesmo tempo interrogação no coração…!
Foi um fim-de-semana em cheio… rodeado de vacas e de
monges a cheirar a esterco com aventais azuis de ganga e botas de borracha… na
ordenha…imaginem… o local onde andei nas minhas primeiras experiências
monásticas, tudo porque aquele tal monge de cara de silêncios estranhos que me
recebera à porta da Abadia, era o responsável da vacaria… ainda hoje parece que
sinto o odor a vacarias…risos…
Regressei a Portugal logo após esse fim de semana, mas
essa outra caminhada deixarei para um dia mais calmo… mas foi bom…
estranhamente foi bom aquele silêncio interrompido pelo mugir de duzentas e tal
vacas que queriam ser ordenhadas todas ao mesmo tempo… teimosas como tudo…
pareciam-se tão bem com um outro coração que já conheci..risos…
3 comentários:
Santo dia...
...a foto não é da trapa mas do convento da cartuxa... se conseguem destinguir ao longe do claustro está um irmão com o carro da comida...deve ser a hora da distribuição pelas celas certamente...
Continuamos unidos em oração pelos enfermos do corpo e da alma...
Nele que nos guia nos caminhos da vida... santa semana
belo relato....qualquer coisinha lembra o meu primeiro contacto com a Trapa,em Espanha,no dealbar dos meus 20 anos...
Relato muito vivo.... apetecia lá estar também, de alma repousada, a falar muito para dentro e pouco para fora.... Percebo as saudades.
um abraco!
Lila
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