... mais pedaços de outros tempos.. recordações que volto a partilhar...!
A estrada olhava-nos de frente, como que espiando os
nossos sentimentos que se escondiam sacudidos pelo desenrolar dos pneus que se
agarravam doridos ao asfalto, enquanto o calor penetrava no rosto da viatura
que corria loucamente, num desafio à gravidade que lhe tentava puxar os freios,
nas tentativas constantes de lhe domar os cavalos que viviam selvagens naquele
motor… dir-se-ia que desejavam saltar para aqueles campos que também pareciam
correr ao nosso lado, terras a quem o asfalto rasgara o ventre!
Enquanto procurava domar aqueles cavalos desabridos
que impulsionavam o meu carro, o meu companheiro de viagem dormitava, soprando
por vezes alguns odores intensos, restos de uma bela Paella que havia mitigado
a nossa fome, num daqueles típicos restaurantes que existem à beira das
estradas da Andaluzia….
Já nos setenta, magro, com aquela boina típica dos
sacerdotes à moda dos anos do franquismo - hoje ainda se vêem muito lá para as
terras bascas – por vezes lá ia voltejando a cabeça, sorte a minha, pelos incómodos
das curvas e dos enjoos…! Outras vezes, a razão de tais movimentos daquele
corpo, estavam apenas nas cotoveladas que “inconscientemente” lhe ia dando um
andarilho condutor, ou melhor, para dizer a verdade, propositadamente, porque
de mal a pior, certamente não tardaria muito em que teríamos que parar os dois
para deitar fora embrulhada em vómitos aquela rica Paella, desperdiçando assim
tão belo prato… Yakkkk…
Saíramos bem cedo de Sevilha, e estávamos de regresso
a Toledo…! O calor abrasava… e o corpo, esse tanto ansiava por um duche frio e
uma boa siesta, daquelas que só os espanhóis sabem fazer tão bem…risos…!
Repentinamente, ainda hoje me pergunto se foi da
janela aberta ou do calor que haveria tolhido o juízo de um andarilho…
imaginem…. um ataque de uma vespa…! Ferida de morte, talvez pelo choque entre
dois cavaleiros como naqueles torneios à moda senhorial, a pobre resolve dar os
últimos suspiros entre as pernas de um condutor andarilho…! Sim, ri-te, agora
dá para o riso… mas naqueles momentos de aflição, o riso transformara-se em
gritos de aflição, e é vê-lo a travar a toda a força a viatura… aquilo era
gritos de aflição misturados no relinchar de cavalos e freios, nos odores de
pneus queimados, enquanto a viatura, agora já parada no meio da estrada, ficava
ali ao abandono...!
Quem imaginaria que se iria repetir aquela história de
D. Quijote e Sancho Pança, por aquelas terras da Andaluzia..! Imaginem…. este
andarilho, feito Sancho a correr aflito a esbracejar por aqueles campos de
girassóis, tentando fugir a uma vespa que não lhe largava as calças, e o pobre
do Sacerdote, feito D. Quijote, que acordara estonteado pelo travar dos cavalos
naquele relinchar de pneus, a correr também atrás de uma andarilho-sancho
pança, tentando perceber o que se passava! Se andarilho havia ficado louco por
tanto calor e resolvera fugir pelos campos, ou se acontecera algo que não
compreendera ainda, e estava a afligir uma alma que tão bem conhecia, para a
fazer correr assim tanto…risadas…!
Escusado será dizer que na comunidade em Toledo - a
noticia chegou rápida - onde pertencia aquele sacerdote e eu estava a passar um
mês a convite dele, foi risadas e gozo com fartura todo o mês…! No refeitório,
então era demais.... por entre dentes e comidas, com aqueles risinhos entre
dentes e palitos enervantes… pior ainda, quando algum deles não aguentava olhar
para o meu rosto na Igreja durante as orações e a eucaristia…Pobre
Prior daquela casa… nunca pensou ter que domar tanto frade num mês…risadas…!
Depois deste acontecimento… já lá vão alguns anos, já
por lá passei várias vezes… e não é que o tema da conversa vai logo na direcção
da senhora vespa… risadas… aqueles frades não esquecem mesmo nada… nem eu,
pudera… nunca me vi em tal aflição..risadas…
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