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quinta-feira, 19 de julho de 2012

... recordações...!


(…ando por aqui a vasculhar o baú das recordações e encontrei este pedaço que me voltou a tocar muito… deixo-o como recordação…)…

Peregrinações - VI

Foram segundos, quase não deu tempo de esboçar um olá… por detrás daquele rosto, naquele corpo enorme de um Gaulês típico, a fazer relembrar aquelas figuras do Obelix, aquele monge que me acolhia naquele dia de Verão à porta de uma Abadia em França – mal imaginava que iria ser o meu lar durante alguns anos - levava um rosto, de uma criança tímida e silenciosa…!

É claro que o silêncio era a “marca” se é que lhe podemos chamar assim, de qualquer monge trapista que ali habitava…! Mas aquele silêncio que ele levava, e se agitava por vezes como as searas que sobreviveram à ceifa, e ali ondulam solitárias nos campos, esse silêncio era outro…! Estranhamente outro…!

Foi demasiado rápido, sem desvios nem palavras inúteis – formas de diálogos de monges, como viria a aprender - a pergunta foi seca e forte, embrulhada naquela timidez de coração-menino:

- Que desejas Irmãozinho?

Eu bem tentei esboçar num francês meio trapalhão as razões que ali me levavam, mas ele, o monge, nem sequer me deu tempo para terminar a resposta…! Que o seguisse… as Vésperas iam começar e talvez fosse melhor ir ver…! Depois falaríamos – disse – virando-me logo as costas…!

Se perguntares porque o segui…! Como…! Olha nem eu sei, segui-o e pronto…parecia um cordeiro a ir para o matadouro, nem mugia nem tugia… fiquei tolhido, aquela frontalidade e aquela forma de falar anestesiaram completamente as minhas resistências…!

Na capela da Igreja, colocaram-me num dos bancos onde estavam sentados alguns sacerdotes diocesanos que estavam ali em retiro!

Confesso que o gregoriano foi uma perfeita trapalhada para mim, mas soava bem… sim, a verdade é que senti-me bem no meio daquela atmosfera monástica…!

Não sabia eu, é que a ceia era logo a seguir às Vésperas, o que significava que aqueles monges iriam sair da capela em fila direitos ao refeitório, silenciosos e de cabeça baixa…! A mim, levaram-me, um dos sacerdotes de retiro, para a Hospedaria, e, sorte a minha, tinham sempre alguma comida a mais para quem passasse já tarde e sem avisar, feito peregrino andarilhante, por aquelas terras do silêncio, …!

Não voltei a ver aquele monge naquele dia, outro monge, responsável da hospedaria, preparou um quarto e ali passei a noite…! Já agora…não dormi quase nada…! Primeiro, porque o meu quarto estava muito perto da torre do sino… ora, como tocava de hora a hora… imaginam… e segundo, o dia tinha sido e acabara tão estranhamente… quem poderia “cochilar- dormitar” com tanta emoção e ao mesmo tempo interrogação no coração…!

Foi um fim-de-semana em cheio… rodeado de vacas e de monges a cheirar a esterco com aventais azuis de ganga e botas de borracha… na ordenha…imaginem… o local onde andei nas minhas primeiras experiências monásticas, tudo porque aquele tal monge de cara de silêncios estranhos que me recebera à porta da Abadia, era o responsável da vacaria… ainda hoje parece que sinto o odor a vacarias…risos…

Regressei a Portugal logo após esse fim de semana, mas essa outra caminhada deixarei para um dia mais calmo… mas foi bom… estranhamente foi bom aquele silêncio interrompido pelo mugir de duzentas e tal vacas que queriam ser ordenhadas todas ao mesmo tempo… teimosas como tudo… pareciam-se tão bem com um outro coração que já conheci…risos…

1 comentário:

Maria-Portugal disse...

Para mim,andarilho no seu melhor,quando desfia memórias...

Vou acompanhando, nas madrugadas, o fazer do caminho.