Comunidade de Nazaré

… nos campos do Gólgota…!

Distraída, aquela flor ainda sem nome e inacabada, sacudia as suas pétalas de um branco desmaiado… esperava que o Criador lhe ofertasse a cor que tanto desejava vestir na vida... bom, a verdade é que apenas tinha conhecido somente algumas madrugadas, mas… sabem, é que elas eram tão frias… e o seu corpo tão frágil ainda não aguentava o peso daquelas gotas de orvalho que a abraçavam despertando-a trémula e temerosa…!

E enquanto sacudia as suas pétalas, olhava surpresa e intrigada no cume daquele monte chamado Gólgota, escutando aqueles ruídos que iam surgindo no meio daquela poeira que se erguia no caminho que vinha na direcção do lugar onde se espreguiçava dolentemente, como quem tenta aproveitar ainda as réstias da luz do sol naquela tarde que se escondia…!

Os ruídos iam-se tornando cada vez mais nítidos… uns soavam a troça e escárnio… outros, carregavam neles angústias lancinantes… desesperos acompanhados também por silêncios perplexos de quem sabia estar perante Deus e nada… apenas o Silêncio que entrega o Filho como um cordeiro…!

E a florzinha… olhava aflita aquelas mãos… as mesmas que um dia haviam sido também mãos de crianças e que agora, enrugadas e calejadas pelo ganhar do pão… muitas vezes até no preço das dores infligidas a outros irmãos… iam escavando na terra, ali mesmo a uns palmos de si, o espaço onde a Cruz ficaria erguida…!

O tempo foi passando terrivelmente numa agonia do próprio tempo que se recusava a fazer parte daquele momento que ali decorria….E aquela flor sem nome, assustada, sem conseguir fugir dali…. mover-se sequer… a não ser nas pétalas com que tentava proteger-se… sentiu cair sobre si, lentamente, aquela sombra da Cruz que se erguia e ia escondendo de si os restos da luz que o sol lhe atirava como um adeus ferido, na agonia que ali presenciava o abandono do próprio Filho de Deus… o Criador dos Céus e da Terra… dos astros e das estrelas e tudo o que existe no universo…!

Também o vento soprava assustado naquele lugar, olhando perplexo aquela flor que chorava enquanto olhava para cima, tentando ver aquele rosto que gemia dolorosamente… aflita pelo grito ali agora liberto:

"Eli, Eli, lamá sabactâni… Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes…"

Aquela florzinha não sabia quanto tempo havia decorrido desde aquele momento em que desmaiara de dor ao sentir o rosto de Jesus olhá-la finalmente no tombar da cabeça coroada de espinhos, enquanto se abandonava naquele derradeiro suspiro divino que se deixara vencer momentaneamente pela morte…!

Agora, nesse despertar também violento e ao mesmo tempo cheio de uma beleza materna que lhe sussurrava ao coração: acorda… desperta querida florzinha do Pai… e enquanto ia limpando as lágrimas que lhe molhavam ainda o rosto, olhava espantada para as suas pétalas pintadas de um vermelho sangue que agora lhe vestiam a vida…

Mal sabias tu querida Florzinha do Pai... mal sabias tu que essa cor que tombara sobre as tuas pétalas era também parte daquelas gotas de sangue ali derramadas pelo Cordeiro Imaculado… pintando eternamente esse quadro que agora vestem os campos que gritam eternamente aos céus a liberdade dos Filhos de Deus…

“Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1).

“Mas Deus prova o seu amor para connosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E não somente isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual agora alcançamos a reconciliação.” (Rom 5:8-11).