A palavra de Deus
«Eu vim a este mundo para que os que não vêem possam ver »
Evangelho segundo São João, 9, 39
A meditação
Os pássaros
Há cinco anos, comecei a observar, nas minhas horas vagas, as aves que alegram o jardim do nosso convento, em Lille. Como eu não conhecia nada, sobre isso, ou quase nada, comecei por procurar uma pequena brochura, para que pudesse fazer uma ideia das diferentes espécies que povoam os jardins das nossas cidades. O Bê-à-bá da ornitologia.
Existem, certamente, muitos pássaros que reconhecemos apenas depois de prestarmos um pouco de atenção. A natureza tratou de proteger os mais frágeis com um manto discreto, mas há muitos outros que se cobrem, pelo contrário, com cores vivas. Por entre estes, há o gaio dos carvalhos. Não é preciso ser-se muito esperto para identificarmos o animal: tamanho, plumagem malhada, com cores vivas e, especialmente, a linha de cor azul vivo que sublinha o contorno das asas tornando-o reconhecível à primeira vista; reconhecemo-lo entre mil.
Quando descobri na brochura a página que lhe era dedicada, disse-me: «nunca vi este pássaro». Eu pensava que, provavelmente, ele desdenhava fazer ninho no nosso jardim. Talvez um pássaro anti-clerical? Mas a bem da verdade, eu não pensei simplesmente nunca vi este pássaro: Eu tinha a certeza; se ele estivesse por ali diante de mim eu tê-lo-ia visto!
Não foram precisos cinco minutos para que, mesmo debaixo da minha janela, sobre ao ramos do salgueiro-chorão, mesmo diante da minha cela, veio pousar um gaio. Ele estava ali, com o seu peito castanho matizado de rosa, a sua cauda negra, os seus olhos sublinhados de branco, o bigode espesso…e o traço azul vivo que eu jurei alguns instantes antes nunca ter visto na minha vida. Ele estava ali, a apenas alguns metros de mim, trocista, e dizia-me que se eu me tivesse apenas dignado a abrir os olhos, eu tê-lo-ia reconhecido há já muito tempo.
A aparição deste gaio não se deveu a um acaso extraordinário. Em poucos dias pude verificar que a ave é por assim dizer um residente permanente no jardim. Ele está simplesmente ali e eu não o via.
Passaram-se cinco anos e o gaio ainda cá está, tão imponente e tão exuberante como no primeiro dia. Ele recorda-me em cada encontro que houve um tempo em que eu não o reconheci e ele ensina-me que coisas muito mais secretas, mais discretas e portanto mais importantes estão, sem dúvida, ali, hoje, debaixo dos meus olhos, atrás do véu que obscurece ainda o meu olhar. Na sua escola, aprendi a negar com veemência, que precisamos ver para crer: não vemos muitas vezes que o que procuramos ver, abandonando o real que se descobre aos nossos olhos se apenas desejarmos sondar a verdadeira profundidade.
Se mesmo o apelativo nos escapa, por vezes, como podemos nós imaginar ver aquilo que é discreto e se esconde no mundo, como a Ferreirinha-comum, esse passarinho pequeno e tímido que se refugia nos arbusto mal sente um pequeno movimento? Qual de entre nós fica imune a essa cegueira que nos impede de reconhecer tal alegria ou tal aflição, tal crescimento ou tal crise no coração dos que estão perto. Seremos capazes de discernir a vida, quando ela trilha penosamente um caminho no coração da nossa humanidade? Sabemos reconhecer o amor, quando ele decide manifestar-se de forma diferente que por de trás da caricatura horrenda com que é muitas vezes fantasiado?
A formula de Saint-Exupéry é muito conhecida: «só vemos bem com o coração; o essencial é invisível aos olhos» A fórmula é bela e ela tem a sua parte de verdade. A Escritura ensina-nos no entanto que o tema do coração de pedra se conjuga frequentemente com o da cegueira, o da surdez e o da loucura. O coração e a inteligência, os ouvidos e os olhos: É tudo isso, e tudo isso junto que Jesus curava.
Como? O caminho que ele nos propõe não é outro senão o da fé: Jesus dá-se a ver aqueles que crêem nele. Crer nele, é ver o mundo tal qual ele é verdadeiramente: quer dizer, habitado e iluminado pela sua luz
Cristo Jesus não nos pede que acreditemos nele para nos conduzir para fora do mundo. Bem pelo contrário: ele é «a luz do mundo». Se ele nos atrai para ele, é para nos conduzir ao coração do mundo, no centro do nosso mundo, exactamente no sítio onde brilha a sua luz, num lugar onde ouviremos as suas gargalhadas que nunca suporíamos existir, onde veremos correr as lágrimas que jamais suporíamos e onde, secretamente, ele se dá para que os homens tenham a vida.
O mundo visto sob esta luz não é um outro mundo. É o nosso mundo. Apenas sob uma nova luz.
6 comentários:
Não consegui traduzir “accenteur mouchet se alguém souber...
accenteur mouchet = Dunnock
Traduzido é um tipo de pássaro parecido com o pardal.
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Se o teu pc tiver tradução no google.Indo ao site do Retiro na cidade ,clicando no tradução portuguesa,aparece o Dunnock "Se até mesmo o chamativo, às vezes nos escapa, como poderia ser imaginado que ver o que é discreto e escondido do mundo, como Dunnock, temerosos de que este pequeno pássaro esconde no mato no primeiro movimento?"
Depois foi só ver a tradução de Dunnock.
Beijnhos e boa semana a todos.As melhoras para quem se encontra debilitado.
Gostei muito deste texto,empregando a simplicidade da natureza,com um olhar bem contemplativo.
Ferreirinha-comum
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Classe: Aves
Ordem: Passeriformes
Família: Prunellidae
Género: Prunella
Espécie: P. modularis
Nome binomial
Prunella modularis
(Linnaeus, 1758)
A ferreirinha-comum (Prunella modularis) é uma ave da família Prunellidae.
Frequenta matagais, com ou sem árvores, nidificando entre os arbustos. Em Portugal é uma espécie residente na metade norte do território e invernante no resto do país.
O nome em latim do "accenteur mouchet" é e daí fui à Wikipédia....será então a Ferreirinha-comum segundo eles dizem.
completo o anterior comentário:
O nome em latim do "accenteur mouchet" é "prunella modularis" e daí fui à Wikipédia....será então a Ferreirinha-comum segundo eles dizem.
Bjs e boa semana.
acréscimo:
"Accenteur mouchet - Wikipédia
- [ Traduzir esta página ]
L'Accenteur mouchet (Prunella modularis) est l'une des deux espèces d'accenteurs vivant en France (l'autre étant l'Accenteur alpin). .."
Aurorita, obrigada pela tua achega :) Beijinhos
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