Num número que ninguém ainda consegue bem quantificar, mas que os poucos indicadores dão como preocupante e crescente, multiplicam-se as situações de isolamento humano, sobretudo na terceira idade
O verso certeiro de Fernando Pessoa que diz «Morrer é só não ser visto» ganhou, nos últimos dias, significados que nos deveriam desassossegar. As notícias que dão conta dos idosos que vivem e morrem em total solidão mostram-nos como a frase de Pessoa não é apenas uma alusão simbólica à invisibilidade dos mortos, mas se tornou uma descrição literal do que, entre nós, acontece aos vivos. Num número que ninguém ainda consegue bem quantificar, mas que os poucos indicadores dão como preocupante e crescente, multiplicam-se as situações de isolamento humano, sobretudo na terceira idade, precisamente quando o cuidado e o acompanhamento deveriam ser redobrados.
Por vezes, no cruzamento apressado das horas, deparamos com um rosto idoso que nos olha por detrás de uma janela, na nesga quase oculta de uma cortina, e fazemos por não pensar muito nisso. Mas que nos dizem esses olhos? Que nos dizem esses olhos que nos olham em silêncio, sedentos de proximidade e de palavra; esses olhos para quem tudo é adiado; esses olhos que se sabem deixados para o fim ou nem isso; esses olhos impotentes e, ainda assim, tão doces; esses olhos que tacteiam as coisas e já não estão certos de as reconhecer ou de as poder activar; esses olhos que desistem um milhão de vezes por dia e nenhuma delas sem dor; esses olhos que se deixaram sequestrar pela televisão a tempo inteiro; esses olhos vazios do que não viram, mas que não desistem de esperar; esses olhos atrapalhados na geografia que alteramos sem aviso; esses olhos que não conseguem perceber a literatura incluída de um mundo que, sem o merecerem, lhes é hostil? Sim, que nos dizem os olhos que encontramos regularmente por anos a fio, ou mesmo só por uns meses, que nos habituamos a reconhecer na nossa paisagem anónima e distraída e, de repente, deixamos de ver? «Morrer é só não ser visto». Deveríamos escrever o verso de Pessoa na Constituição da República e no nosso coração.
José Tolentino Mendonça
5 comentários:
todos temos "culpa"... mas o que me pergunto estes dias é onde estão os cristãos que vivem perto desses silitários e solitárias....!!!
que fazemos como comunidade de fermento e de sal e luz no meio disto tudo...!?
nada... por mais que nos custe nada... somos sal de muitos saleiros... o que importa é os nossos programas espirituais e escrever sobre o tema arrozando opiniões de quem não sabe nem percebe o que é sofrer a solidão porque nãoa vivem... eu por aqui às evzes experimento esse sabor... todos me procuram quando prcisam de algo ou ajuda... mas poucos chegam quando estou só.... e contra mim falo...
como é tão bom e tão fácil vivermos as nossas vidinhas cheias de poesia e fotografia.... aí de quem nos toque nesses mundos... logo cairão trovões e raios pedidos dos ceús como fizeram tiago e joão...
santo dia...
hoje estou azedo...desculpem mas n me referia pessoalmente a ninguém embora o primeiro a recebere stas palavars sou eu....porque faço muito pouco ainda...
e quando os recebemos... passado nem 3 dias pesam já muito e toca a reenviá-los para as suas origens porque não temos pachora nem tempo para lhes aturar as birras de meninas e meninos que voltaram a ser... e lá vamos atenuando a culpa com algumas visitas esporádicas...
os nossos "velhos" não tarda muito...vão tb ter o mesmo destino para morrer como fazem na India.. a berma da estrada ali abandonados para ali morrerem...
felizmente existem raras excepções... estou a recordar a nossa saudosa Avô Madre de muitas Pombas e pardais... lá para os lados onde rebentam as ondas do mar...
mas são pérolas raras que ainda luzem no meio da escuridão emq ue se está a tornar a humanidade...
4. Há diversidade de dons, mas um só Espírito.
5. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor.
I Corintios 12
Dando primazia ao amor que se revela no acompanhamento e atenção aos mais frágeis,parece-me também importante que sejam cultivados outros dons e exercidos outros ministérios conforme os talentos de cada um.
Certamente Irmã Maria. Os dons são e devem ser todos postos em comum e não apenas uma parte. Não era minha intenção sequer os colocar em causa, mesmo aqueles que por vezes nos parecem “supérfluos” dentro do tempo e espaço onde as necessidades humanas abundam e não há tempo a perder…
O que queria dizer, (por vezes não consigo comunicar) é que não podemos é nos “distrair” pelos trilhos que nos desviem do essencial… mas longe de mim ignorar que somos um todo e que os dons são todos essenciais e não apenas uma parte.. peço perdão se dei outra ideia e assim possa ter magoado alguém.
Já agora, gosto imenso da poesia e das fotos que todos vão aqui partilhando… ajuda também muito….
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