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domingo, 21 de fevereiro de 2010

Retiro na cidade - 5


A Palavra de Deus

Disse-lhe o diabo: «Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se transforme em pão.» Jesus respondeu-lhe: 4«Está escrito: Nem só de pão vive o homem.»

Evangelho segundo São Lucas Cap4, 3-4


O pão do desejo


«Nem só de pão vive o homem». Ele viverá também da palavra que diz «não só de pão...» E para viver hoje dessa palavra, rejeitemos para já uma recordação triste que poderia impedir-nos de a ouvir. A nossa consciência global agora tem o seu inferno no triste espetáculo dos miseráveis da fome. Desde as crises económicas à guerra, da seca aos tremores de terra, vêm assolar os meios de informação com regularidade. Como dizermo-nos sem vergonha, pensando neles, que « nem só de pão viverá o homem»? Mas Jesus não diz: «o homem não vive de pão», ele diz «o homem não vive apenas de pão».
E o homem miserável não está ele próprio à espera, juntamente com o pão, de outra coisa, à espera de palavra, de respeito, de amizade? Que significa dar pão, se for sem amizade? Isso não servirá de nada! E «não só de pão viverá o homem» não é justamente pronunciado por Jesus nas bodas de Canã. Trata-se então de mudar a água em vinho para oferecer o melhor aos convivas. Aquele que diz aqui «não só...» é um homem que tem fome. A sua palavra nasce da falta, ela surge também da recusa daquele a quem o evangelho chama «diabo».


O diabo! Ele espera Jesus no deserto. Se o seu nome nos parece vindo de outros tempos, traduzamo-lo por «a voz das nossas tentações» ou, de forma mais séria, «a reunião das forças de corrupção contra a generosidade, a alegria e a pureza nas nossas vidas.» Costumamos dizer que o diabo se esconde nos detalhes.
Mas o diabo não é um detalhe desta evocação evangélica. Porque se Jesus vai para o deserto, é conduzido pelo Espírito Santo. E o Espírito Santo envia-o para o deserto, para que ele reencontre o diabo, que o vai tentar. Esta página do evangelho coloca assim à luz para nós uma ideia forte da vida com Jesus, a que chamamos o «combate espiritual». O Espírito Santo em nós é quem quer combater. Não combater os outros, mas combater aquela sombra do mal que escurece as nossas vidas, matando-nos a alegria. A tentação não é portanto o contrário do Espírito Santo. O Espírito quer encontrar-se com as tentações e combatê-las. Ele sabe que destes combates ele sairá mais forte. Ele aumentar-se-à em nós.


Jesus é tentado, mas com quais tentações? Nesta pequena passagem do evangelho de Marcos, uma única tentação é apresentada, a tentação do milagre: «Se tu és filho de deus, diz a esta pedra que se transforme em pão.» Ora nós não vemos nunca Jesus no evangelho fazer milagres para si próprio. Ele curou leprosos, faz falar os mudos, multiplica os pães para alimentar uma multidão. A tentação de Jesus, era portanto o ser filho único de Deus, sem irmãos. E se o evangelho nos apresenta esta tentação, é porque ela não pode ser revertida a favor de Jesus. Nós não podemos fazer milagres como Jesus, mas nós podemos viver também para nós próprios, quer dizer sem Deus, ou melhor, o que vem dar no mesmo, com um pequenos deus só nosso, sol propriedade nossa ou propriedade dos nossos. A Bíblia chama a isso ídolo. O diabo faz Jesus ter miragens, como nos faz a nós, a mentira de uma vida sem Deus, sem o desejo dEle.


O homem tem necessidade de pão para viver, mas este pão não poderá jamais preencher o seu maior desejo de vida. Lembremo-nos dos Hebreus no deserto, no Livro dos Números, capítulo 11. Depois da saída do Egípto é-lhes dado, a cada dia, o maná, essa espécie de granizo que recolhiam ao fim da tarde. O maná era ao mesmo tempo um meio de subsistência e o sinal da presença atenta de Deus ao seu lado. Mas eles ficaram enfadados e puseram-se a lamentar as cebolas, os pepinos, o alho, as alfaces, o peixe, que comiam no Egipto! E lá estava o pão do desejo apagado pelo pão da necessidade.

«Nem só de pão vive o homem». Esta palavra é-nos dada para que a vivamos neste tempo de Quaresma. Retirarmo-nos um pouco em solidão no deserto das nossas cidades para aí combatermos as nossas tentações, para vivermos hoje do pão do desejo de Deus, para o reconhecermos como nosso Pai num «nós» fraternal? O evangelho das tentações de Jesus faz-nos entrar assim com ambos os pés com esta oração que os cristãos desde sempre consideraram como a oração por excelência, porque ela foi a oração de Jesus, o Pai Nosso.


Para esta primeira semana de Quaresma, ponhamo-nos à escuta do Pai Nosso.




Foto: Ana Loura

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