*** Sanctus...Sanctus...Sanctus *** E é importante apoiar-se numa comunidade ,mesmo que seja virtual,porque entre aqueles e aquelas que a compõem,encontram-se os que estão nos tempos em que o dia vai ganhando, pouco a pouco, à noite. Irm.Silencio

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Manhãs de Verão



Salvei a vida a uma toupeira

Nestes tempos de crise na carteira e de pânico (mediático?) gripal, faz bem aproveitar cada manhã de verão para fazer «férias… cá dentro». Cá dentro, desta nossa maravilhosa terra dos Carvalhos, privilegiada com boas paisagens campestres e boas matas frondosas, infelizmente pouco aproveitadas e nada protegidas pelo “Ambiente”. Pinho Leal tinha razão quando, no séc. XIX, já advogava que “Esta povoação estava topograficamente talhada para cabeça de uma comarca, das mais bem arredondadas de Portugal”.
Já lá vai o tempo em que vinha gente da cidade do Porto e da zona costeira de Espinho, para os Carvalhos, a ares. Vinham retemperar a caixa pulmonar, e hospedavam-se, essas pessoas, quando não tinham aqui familiares, no «Hotel Nacional» ou na «Casa da Companhia» - caso de um, hoje, muito conhecido psiquiatra e professor universitário, tripeiro, que, em criança, era trazido pela mãe, para, no monte do Murado, beneficiar dessa terapia.
Pois o monte do Murado, ou da Senhora da Saúde, ainda agora nos convida a passeios matinais, apaziguadores da desordem que nos vai no toutiço por causa de tantas notícias ouvidas e lidas de falcatruas bancárias, de corrupções político-administrativas, de assaltos à mão armada, de lutas partidárias, de pandemias aviárias ou griposes mexicanas, etc., etc.. E como temos este bem, ao pé da porta, como é saboroso vestir, ao levantar da cama, uma roupa leve, calçar umas sapatilhas flexíveis, e zarpar por aí fora, através dos caminhos carreteiros, subindo o monte onde outrora viviam os Túrdulos ibéricos, depois ocupado pelos Romanos e Mouros, e, hoje, por esta boa gente da redondeza “pedregosa”!... Ainda se “lêem” nas penedias as várias lendas mouriscas onde enraizou a riqueza de alguns lavradores dos burgos circundantes, e estão à vista os vestígios das muralhas antigas construídas em volta do montado para defesa contra os povos invasores que surgiam do mar. Bem andou o bucólico Júlio Dinis em descrever este Monte na sua "Morgadinha"!...
Férias cá dentro, para gente de bolsa vazia!
Pois bem, num destes dias soalheiros e de brisa fresca matutina, aí vou eu até lá acima, pela rua de trás, desde o Moutido, saudando os coelhitos em cada dobrar de curva; subo a “rampa dos cavalos”, em zig zag (mais longe, mas mais suave), até ao cruzeiro; passo ao terreiro dos carrosséis; galgo a alameda frondosa sobrejacente; conto os degraus do escadório até à rua que dá para o antigo “rinque” de patinagem… Sempre no meu passo cadenciado de antigo soldado, ritmado ao funcionamento cárdio-respiratório. O ar fresco da manhã enche-nos o peito de vigor, embora a idade já vá pesando, e sente-se na alma uma suave e alegre surdina de bem-estar.
Ao retomar a passada pela via granítica, e a meio deste troço do percurso, vejo no chão um pequeno montículo negro a mover-se em rotação, à volta de um dos interstícios do pavimento. Não fora este rodopiar, e teria eu ultrapassado o motivo sem que algo me captasse a atenção. Paro, e mais atentamente me apercebo de que se trata de uma toupeirita. A minha primeira tentação foi dar-lhe um pontapé, como outro qualquer faria… com tanta mais probabilidade quanto mais jovem fosse o protagonista da acção; como quase sempre se faz a um rato que nos invade os aposentos!… Mas, como disse acima, a idade já pesa sobre o autor destas linhas, e, com ela, foi amadurecendo o sentimento, a sensibilidade, que nos leva a recuperar o coração de criança. Senti pena daquele bichinho. Como teria ido ali parar?...
Procurei em volta o auxílio de uns gravetos. Delicadamente, peguei, à maneira dos chineses com os pauzinhos, naquela criatura de Deus – minha irmã na Natureza criada (no ensinamento de S. Francisco). Deitei-a em cima do murete que ladeia a estrada. Curiosamente, examinei o animalzinho. Nunca tinha observado uma toupeira viva, assim. Olhos? - os dela… nem vê-los, com os meus! As patas, dianteiras e traseiras, curtas e largas, pareciam quatro peças de uma escavadora. O focinho, uma espécie de bico de pato, rombudo. Que coisa espantosa, na diversidade que nos envolve! Não me era repelente, como às vezes me repele uma centopeia, por exemplo.
Que me diria Charles Darwin, naquela hora e naquele local, para me explicar como e porquê aquele bichinho nasceu assim, para viver e sobreviver assim? Sei lá! Iria ouvir, com certeza teorias e mais teorias sobre a selecção natural e sexual, a partir de um ancestral comum. Outros cientistas me diriam, modernamente, que o percurso evolutivo que me trouxe ali aquele ser vivente sofreu mutações por erros de ADN. Mas gostaria igualmente de atender às explicações de Teilhard de Chardin, sobre essa força dinâmica que orienta toda a Natureza criada, através da biodiversidade, para um ponto final de convergência – o ponto Ómega. Justificar-me-ia a razão de ser e a finalidade da toupeirinha que andava ali à roda, entre os paralelos graníticos da estrada, à procura de um buraquinho no chão que lhe facilitasse perfurar a terra e penetrar no submundo escondido e esquecido da sua existência.
Entretanto, e nesta linha de pensamento cimentado na ciência teilhardiana, rendo-me, mais satisfeito, às explicações de Bento XVI, nas palavras proferidas no “Angelus”, em Roma, por ocasião da Festa da Santíssima Trindade, a 7 de Junho passado:
… … …
“Três Pessoas que são um só Deus porque o Pai é amor, o Filho é amor, o Espírito Santo é amor. Deus é tudo e só amor, amor puríssimo, infinito e eterno. Podemos intuí-lo ao observar, quer seja o macro-universo: a nossa terra, os planetas, as estrelas, as galáxias; quer seja o micro-universo: as células, os átomos, as partículas elementares. Em tudo isto que existe está em certo sentido impresso o "nome" da Santíssima Trindade, porque todo o ser, até às últimas partículas, é ser em relação, e assim transparece o Deus-relação, transparece por fim o Amor criador. Tudo provém do amor".
E completa o Santo Padre:
"Usando uma analogia sugerida pela biologia, diríamos que o ser humano traz no próprio ‘genoma' o traço profundo da Trindade, do Deus-Amor.


Detive-me mais um pouco na apreciação, e meditação, daquele «mistério» da Natureza, ali presente. Não me contive a pegar no telemóvel e a fotografar a minha a toupeirinha, para que conste. Tinha eu, talvez, salvo uma vida… Dei-lhe um toque, e ela caiu para dentro da mata. Logo começou a perfurar o caminho de mais uma etapa da sua existência. Demorei alguns momentos a observar o seu percurso, pois via as folhas do chão a levantarem-se enquanto o «bichinho» rasgava o seu túnel na terra.
Continuei a caminhada. Ia pensando nos humanos que vivem como toupeiras no ganho de um salário que sustente a família, mas que nunca chega para compensar a ruína da própria saúde… Debaixo do chão, na labuta das minas e na abertura dos túneis que o progresso obriga a perfurar pelas entranhas da terra. E também, com maior pena, naquelas “toupeiras” que enxameiam os bas fonds escuros da droga, da corrupção e do crime organizado… onde a dignidade humana já perdeu toda a capacidade de recuperar a visão de luminosas manhãs de verão.
Passei pela capela da Senhora da Saúde, agradeci ao Deus do Universo o dom da vida, de todas as vidas da Sua Criação, cada uma com a sua finalidade nos divinos planos da Eternidade E bendisse aquela hora, em que… havia salvo a vida a uma toupeira.
V.S.

3 comentários:

Ana Loura disse...

Bonito texto, VS.


Nos recados tem uma sugestão de encontro para Outubro

Beijos para ti, Margarida e família

Fora-da-lei disse...

Pois eu fazia o contrário,quando estive no parque de campismo durante dois anos,o que mais detestava, era chegar ao local da roloutte e verificar que estavam enormes montões de terra a tirar toda a estética do espaço.
Assim que chegava de manhã abria a mangueira e jorrava uma chuveirada para dentro dos buracos que elas faziam...rsrs
Mas de outro ponto vista tem razão,se tudo foi criado,é porque servem para alguma coisa.
Mas o nosso instinto é e será sempre tão diferente dos outros seres viventes.

Maria-Portugal disse...

Lá vou reler a Morgadinha...que costumava ser uma leitura preparatória do Natal.

Mas este post abriu-me o apetite...e em vésperas de autarquicas tb tem muitos elementos de compreensão para as ditas cujas....