06 Março 2009 - 09h00
O Alicerce das Coisas
Concílio em questão
Desde a recente e polémica admissão dos quatro bispos lefebvrianos à comunhão da Igreja Católica, muito pó se tem levantado acerca do II Concílio do Vaticano (1962-1965). Cada vez se revela mais ‘ultrapassado’. Explico: uns ultrapassaram-no pela direita, outros pela esquerda, outros minaram por baixo e houve ainda quem passasse por cima...!
Poucos lhe passaram pelo núcleo, lhe sentiram a vibração, apanharam o cerne. É necessário, no debate em curso, um esforço histórico para descobrir o papel real do Concílio na Igreja e interpretar a sua recepção. O II Concílio do Vaticano aparece como uma tentativa de actualização da mensagem e da vivência para reconciliar a Igreja com o momento histórico, ressentindo-se das categorias mentais dos anos 60, partilhando desse momento particular de grande transição, aliás ainda em curso. Apesar de se tratar de um Concílio de reforma, não de revolução, criou mais rupturas do que continuidades.
Há três correntes interpretativas do Concílio: quem o considere insuficiente; quem o considere culpado da crise da prática religiosa; quem negue o seu carácter de ruptura. A maioria dos católicos aceitou o Concílio. Alguns aceitaram juxta modum (com emendas ou ressalvas) e uma minoria agressiva continuou a reduzir o seu valor e a recusá-lo, como os seguidores de Lefèbvre. Movimentos fundamentalistas afastados da renovação conciliar, sem ser cismáticos, afirmam que não se trata de um Concílio dogmático, mas pastoral e não o consideram vinculante. Os conservadores nostálgicos consideram o pós-concílio um desastre. Penso que o Concílio do século XX foi um acontecimento necessário, importante, inspirado, positivo e surpreendente. Deve ser aceite como um todo, no espírito que o moveu e no limite das circunstâncias em que ocorreu. Felizmente todos os documentos têm data.
A Igreja deixou entretanto de ser eurocêntrica, alterou o estilo de governo sócio-político, descentralizou-se, abandonou uma visão essencialista de si mesma, aceitou o desafio do ecumenismo e do diálogo inter-religioso, renovou os ministérios, valorizou os leigos. A preocupação que a Cúria Romana manifestou por estes cismáticos deve ter o mesmo peso do que o desejo de acolher os que deixaram a Igreja e podem regressar se houver garra renovadora e missionária. A questão da adesão ao Concílio, agora levantada, exige muito discernimento. Se estiver vivo e actuante o espírito do II Concílio do Vaticano, os católicos não se sentirão ultrapassados quando novo Concílio for convocado, para bem de uma Igreja fiel ao Evangelho e apaixonada pela salvação do Mundo.
D. Carlos Azevedo, Bispo auxiliar de Lisboa
in CM
1 comentário:
já esfreguei os olhos montes de vezes ao ler esta partilha... bom, passos pequenos mas certos e seguros, valha-nos Deus...
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