«Se não há ressurreição dos mortos, então
Cristo também não ressuscitou; e, se Cristo não
ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também
é vazia a fé que tendes»
(I Cor 15, 12-14)
Decorre o mês de Novembro, religiosamente dedicado, pelos mais devotos, à lembrança e sufrágio das benditas almas dos seus antepassados.
Logo no dia 1, solenidade litúrgica de Todos os Santos, o povo enche os cemitérios, lavando e limpando campas e jazigos, adornando-os de vistosos e mui dispendiosos arranjos florais; acendem-se lamparinas e lampiões; tudo numa azáfama que, por vezes, se transforma em competição desmedida e pagânica.
No dia 2, dia propriamente dedicado à comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, já a corrida não é tanta, e a razão é compreensível: é dia de trabalho (se não calha num domingo), enquanto que o dia 1 é feriado e, portanto, mais livre para esta piedosa devoção.
Se a festa do primeiro de Novembro, tão cheia de significado e de beleza, por celebrar e honrar toda a multidão sem conta dos que já alcançaram a visão beatífica do Salvador, e com Ele habitam na casa do Pai, passa quase em branco para o vulgo dos cristãos, precisamente porque o brilho desta solenidade é ofuscado pela "romagem" aos cemitérios, já no dia 2 as igrejas e capelas ficam repletas de gente que não quer perder a missa pelos seus defuntos. Para muitos, é a sua missa de ano, já que os dias de preceito, normalmente, nada significam para eles... Que ao menos essa centelha de fé, ainda acesa no seu íntimo, não se apague ao primeiro sopro da indiferença, e possa um dia reavivar-se pela acção vivificadora do Espírito Divino.
Dizia um sacerdote, na sua homilia, em vésperas de Todos os Santos:
A nova evangelização, que João Paulo II tanto se empenhou em promover, passa por um aprofundamento mais eficaz do Evangelho, da Boa Nova que é o próprio Cristo, de modo a que todas as actividades humanas sejam repassadas pelo Seu Espírito, tornando-se mais puras, mais sinceras, e despidas de tanto paganismo prático que ainda as caracteriza. Mesmo pessoas que se afirmam “religiosas”, muitas vezes não conseguem ultrapassar certos preconceitos, superstições e crendices sem consistência.
Mês da Almas. Contudo, mês das almas não é apenas o dia 1 ou o dia 2. Nem só o mês de Novembro. Todos os meses são «mês das almas», pois, se somos cristãos, a elas devemos estar permanentemente unidos - pela comunicação (comunhão) dos Santos, que professamos no Credo; unidos pela fé, pelas boas obras, pela esmola, pela oração - e a oração suprema é o Santo Sacrifício da Missa, memorial e actualização dos sagrados mistérios da paixão e morte do Senhor da vida e da Sua gloriosa ressurreição.
Sinto ainda a ressonância daquela citação de Santo Agostinho com que, num cemitério próximo, o sacerdote celebrante da Missa do meio dia, em dia de Fiéis Defuntos, terminava a sua maravilhosa homilia:
3 comentários:
Não me parece que esta romaria aos cemitérios seja das coisas mais graves, pelo menos demonstra um gesto de amor por aqueles que pariram à nossa frente. Nesse dito dia parei-me a observar no cemitério da minha aldeia enquanto a minha mãe dava os ultimos retoques nas campas do meu irmão e do meu pai (coisa que ela faz todos os dias, para ela todos os dias são de fieis defuntos... lol) e achei bonito ver as pessoas a limpar, e a embelezar as campas, achei que era um gesto de amor, também talvez porque aqui ainda não existem exageros, tirando talvez a minha mãe - se o meu pai visse a campa dizia logo "oh Estrudes, olha lá para esta cantareira que aqui puseste..."
Não sei mas acho que não é grave, grave seria se não se fizesse nada, assim há um gesto de amor e se é gesto de amor, já é oração... digo eu...
Rui,
De pleno acordo contigo, estou eu. O que verbero, é o exagero pagânico que abunda por estas minhas bandas. Essa idolatria dos cemitérios, que impede as pessoas que ainda por cá andam de virar os olhos para o alto, numa perspectiva de Ressurreição. Há muita gente que diz: «Aqui se acaba tudo...». Ora, diz-nos a nossa Fé que não é assim. Cuidar das sepulturas dos nossos mortos, é um dever sagrado para preservar a memória, mas com olhos na Eternidade. Quando estou diante das campas de meus pais e de meu filho, o meu pensamento sobe até à morada celeste, onde, acredito, estão, acolhidos pela misericórdia divina; nem por sombras os imagino ali naquelas tumbas. O Cemitério não é, pois, o fim de tudo, mas uma etapa da vida que, iniciada aqui na Terra, não tem fim.
Abraço.
Estamos na oitava dos "Fiéis Defuntos". Gosto da irritação de Jacques Maritain, filósofo católico de ascendência judaica: "Escandaliza-me o modo como os cristãos se referem aos seus defuntos. Chamam-lhes mortos; não foram capazes de renovar o pobre vocabulário humano sobre um ponto que atinge dons essenciais da fé. Mortos! Poder-se-á assistir a uma Missa pelos mortos? Vai-se ao cemitério levar flores aos mortos? Reza-se pelos mortos? Como se eles não fossem mil vezes mais vivos do que nós!... Os que deixaram esta terra para entrar no outro mundo não estão mortos. Se estão no céu, vêem Deus. São os vivos por excelência. Se estão no purgatório, sofrem, mas com a certeza que verão a Deus. Devido a esta certeza, estão muito mais vivos do que nós..."
J. Maritain tem toda a razão, mas nem ele consegue descolar de um conjunto de enganosas metáforas geográficas. Prefiro Santo Agostinho: "Os mortos não estão ausentes. Estão invisíveis. Têm os olhos cheios de luz, fixos nos nossos cheios de lágrimas."
Frei Bento no forum
Abraços fraternos
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