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sábado, 10 de janeiro de 2015

Para meditação...Um artigo de Leonardo Boff


Para se entender o terrorismo contra o Charlie Hebbo de Paris

09/01/2015
        Uma coisa é se indignar, com toda razão, contra o ato terrorista que dizimou os melhores chargistas franceses. Trata-se de ato abominável e criminoso, impossível de ser apoiado por quem quer que seja.

Outra coisa é procurar analiticamente entender porque tais eventos terroristas acontecem. Eles não caem do céu azul. Atrás deles há um céiu escuro, feito de histórias trágicas, matanças massivas, humilhações e discriminações, quando não, de verdadeiras guerras preventivas que sacrificaram vidas de milhares e milhares de pessoas.
Nisso os USA e em geral o Ocidente são os primeiros. Na França vivem cerca de cinco milhões de muçulmanos, a maioria nas periferias em condições precárias. São altamente discriminados a ponto de surgir uma verdadeira islamofobia.

Logo após o atentado aos escritórios do Charlie Hebdo, uma mesquita foi atacada com tiros, um restaurante muçulmano foi incendiado e uma casa de oração islâmica foi atingida também por tiros.

Que signfica isso? O mesmo espírito que provocou a tragédia contra os chargistas, está igualmente presente nesses franceses que cometeram atos violentos às instituições islâmicas. Se Hannah Arendt estivesse viva, ela que acompanhou todo o julgamento do criminoso nazista Eichmann, faria semelhante comentário, denunciando este espírito vingativo.
Trata-se de superar o espírito de vingança e de renunciar à estratégia de enfrentar a violência com mais violência. Ela cria uma espiral de violência interminável, fazendo vítimas sem conta, a maioria delas inocentes.

Paradigmático foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A reação do Presidente Bush foi declarar a “guerra infinita” contra o terror; instituir o “ato patriótico” que viola direitos fundamentais ao permitir prender, sequestrar e submeter a afogamentos a suspeitos; criar 17 agências de segurança em todo o país e começar a espionar todo mundo no mundo inteiro, além de submeter terroristas e suspeitos em Guantánamo a condições desumanas e a torturas.

O que os USA e aliados ocidentais fizeram no Iraque foi uma guerra preventiva com uma mortandade de civis incontável. Se no Iraque houvesse somente ampla plantação de frutas e cítricos, nada disso ocorreria. Mas lá há muitas reservas de petróleo, sangue do sistema mundial de produção.

Tal violência barbárica, porque destruíu os monumentos de uma das mais antigas civilizações da humanidade, deixou um rastro de raiva, de ódio e de vontade de vingança.
A partir deste transfundo, se entende que o atentado abominável em Paris é resultado desta violência primeira e não causa originária. O efeito deste atentado é instalar o medo em toda a França e em geral na Europa. Esse efeito é visado pelo terrorismo: ocupar as mentes das pessoas e mantê-las reféns do medo.

O significado principal do terroismo não é ocupar territórios, como o fizeram os ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas ocupar as mentes. Essa é sua vitória sinistra.
A profecia do autor intelectual dos atentados de 11 de setembro, o então ainda não assassinado Osama Bin Laden, feita no dia  8 de outubro de 2001, infelizmente, se realizou: “Os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”.

Ocupar as mentes das pessoas, mantê-las desestabilizadas emocionalmente, obrigá-las a desconfiar de qualquer gesto ou de pessoas estranhas, eis o que o terrorismo almeja e nisso reside sua essência. Para alcançar seu objetivo de dominação das mentes, o terrorismo persegue a seguinte estratégia:
(1) os atos têm de ser  espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada;
(2) os atos, apesar de odiados, devem provocar admiração pela sagacidade empregada;
(3) os atos devem sugerir que foram minuciosamente preparados;
(4) os atos devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis;
(5) os atos devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo;
(6) os atos devem provocar permanente medo;
(7) os atos devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Basta ver alguns rolezinhos entrando nos shoppings e já se projeta a imagem de um assaltante potencial.

Formalizemos um conceito do terrorismo: é toda  violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com  medo e pavor.         
O importante não é a violência em si,  mas seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. Um dos efeitos mais lamentáveis do terrorismo foi ter suscitado o Estado terrorista que são hoje os EUA. Noam Chomsky cita um funcionário dos órgãos de segurança norte-americano que confessou: “Os USA são um Estado terrorista e nos orgulhamos disso”.

Oxalá não predomine no mundo, especialmente, no Ocidente este espírito. Aí sim, iremos ao encontro do pior. Leonardo

Boff é colunista do JBonline e escreveu: Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz,  Vozes,  Petrópolis 2009.

11 comentários:

um irmão. disse...

È profundamente inquietante que alguns cristãos, alguns com imensa “responsabilidade” como Boff, procurem, mesmo que veladamente, “justificar” ou encontrar “razões” válidas para a barbárie em face de outra barbárie também cometida por outros!

E o meu coração ferido por este e outros diálogos a justificar “tempestades”, fica agora com aqueles meus queridos irmãos mártires de Tibhirine, um exemplo claro da verdadeira RAZÃO que move aqueles que agora também voltaram a manchar de sangue as ruas da nossa alma…

“Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca.” Is. 53,7.

um irmão. disse...

Parto para os claustros definitivamente no fim de Fevereiro, profundamente triste e inquieto pelo caminho que leva o mundo… e sobretudo pelo testemunho de muitos cristãos… e farei silêncio definitivo aqui como lá, como Cristo fez perante a barbárie humana quando confrontado com ela no coração e no corpo… que Ele tenha misericórdia de todos nós e nos ajude a saber ser dignos do seu Nome…

Deixo aqui saudações do Irmão que me contactou ontem...

Nele, o Cordeiro que ficou em silêncio perante os homens que o feriram e continuam a ferir em cada irmão...

Ana Loura disse...

Outra vez um silêncio definitivo? Misericórdia, Victor!
Será que leste bem o artigo de Boff? Ando a ler a passo de lesma o Paciência com Deus de Tomás Halik e a análise que ele faz do terrorismo e das "respostas" a ele dadas encaixam na análise de Boff. A certa altura ele diz: "Nenhuma guerra é sagrada -nem sequer a "guerra corra o terrorismo" ; só a paz é sagrada ".
Sim, "que Ele tenha misericórdia de todos nós e nos ajude a saber ser dignos do seu Nome… " Nos pensamentos, palavras e obras.
Obrigada pelas notícias do Irmão.
Pelo que dizes não teremos mais notícias tuas. Mais um que se esfumará nas brumas das galáxias... Coração ao largo, que ele endureça cada vez mais para que não sinta a ausência escolhida por quem se afasta.
Que fazer? Apenas mais uma vez aceitar.
Abraço

Maria-Portugal disse...

"E tendo-os amado,amou-os até ao fim " diz o Evangelho e com eles esteve sempre manifestando o seu Amor.

Nele q nos dá consolação ...

Anónimo disse...

O que leio no artigo nao me parece ser uma justificacao para os actos terroristas, mas antes uma análise da evolucao dos acontecimentos que tem vindo a desaguar neste mar de ódio lamacento, em que várias águas se confundem. O ódio e a violencia nao podem ser admissiveis nem justificáveis, mas convem entender como se geram e, neste percurso analisado, nao há inocentes, só isso.
Quanto á sua partida para França, que se faça como Ele deseja, sendo essa a sua vontade, porque o Senhor é o Deus da Liberdade e é nossa a escolha do caminho. Mas sobre isso falaremos quando a data se aproximar.
Um abraço em Cristo,
Lila

um irmão. disse...

Irmã Ana, a escolha e o regresso aos claustros já carregava em si essa decisão do silêncio… até porque já tenho estado há algum tempo em silêncio, apesar de intervir às vezes, algo nada comparado com o passado quando intervinha abundantemente aqui e noutros locais… já sabias e sabes que tenho que preparar o coração para a partida e para o silêncio… certamente não é silêncio absoluto e muito menos convosco nem com aqueles que Deus me mandou acompanhar e fazer caminho com eles no Amor…., mas sim, falava do silêncio de discussões inúteis que não levam a nada…

.. só aqueles(as) que não estão seguros do amor e da misericórdia do Pai… se escandalizam com ataques às suas “tralhas religiosas”, que não salvam ninguém, quem salva é Deus, não a religião nem os processos que nela se desenrolam criados pelos homens… (na verdade, muitas dessas “tralhas” só têm servido para criar ainda mais fossos entre todos os filhos de Deus, sejam eles muçulmanos ou cristãos ou outro …e sobretudo entre irmãos da mesma fé até…) …é nisso que ponho um ponto final, e faço silêncio…

Nele que nos ensina a amar amando-nos…

Ana Loura disse...

Tou mais descansada
Beijos
Ana

Rui Melgão disse...

Eu gostei. Uma das permissas cristãs é o perdão e para perdoar é preciso encontrar o outro para além da máscara de violência... com mais ódio só obtemos mais ódio... violência gera violência...

Rui Melgão disse...

Abraço irmão! Ora por nós nos claustros...

um irmão. disse...

Rui, meu querido Irmão, só agora vi o teu comentário.. desculpa, um abraço forte... sim, não vos esquecerei nas minhas orações...

um irmão. disse...

Irmã Lila, (prometi silêncio, mas a verdade não deixa calar o meu coração)… ainda sobre Boff…
… a sua análise foi e é muito parcial… ela aponta apenas uma face do problema… que de facto carrega muita verdade sim…mas faltou nele tb abordar e ter a coragem de relacionar tb as verdadeiras CAUSAS da barbárie, como por exemplo os degolamentos colectivos de ser humanos publicamente, muitos deles prisioneiros de guerra, ou por partilharem de outros caminhos de fé… das milhares de “Malala(s) Yousafzai” que são mortas ou desfiguradas com ácido, ou tratadas como escravas e que se vendem como gado nos mercados… da imposição à força sobre pena de morte, de valores e de condutas que negam a liberdade mais básica do ser humano… das crianças bomba que são usadas no conforto e na segurança covarde de quem dispõe de um dispositivo à distância para detonar a carga que essa criança carrega, e que mata esta e tb vai matar indiscriminadamente outros inocentes… e muitas outras barbaridades nas constantes noticias que nos chegam, muitas delas expostas em vídeo pelos mesmos que agora matam justificando assim REPARAR o nome de Deus, mas que não se coíbem de segurar à frente de uma câmara, uma cabeça decepada de um Seu filho, sem pestanejar e com orgulho… Quem assim age está mesmo muito doente… e muito mais queles que encontram, alguma condescendência em direcção a estes, encapotada de veladas justificações pelo sofrimento tb sofrido por estes… ou numa suposta defesa da moral e dos bons costumes e da honra Deus… (comos e Deus precisasse ser defendido…!!!)…. a humanidade está de facto muito doente mesmo…

Nele que nos conhece e ama apesar das nossas vidas que insultam tb diariamente nesses desenhos diários, que são esses imensos gestos do nosso pecado... que “matam” tb os irmãos e a nós próprios no melhor que existe na nossa humanidade, criação do Pai… que Ele tenha misericórdia sim… de todos nós…