Que é o homem?!...
Queres saber o que vale o homem, visto em si próprio?
Sobe ao alto de uma montanha. Olha a cidade dos homens, a teus pés. Não
consegues vislumbrá-lo! Não é de certa distância que se apreciam as obras de
arte?...
O homem julga-se poderoso, rei e senhor. Em si próprio, nada é; olhado à
distância, progressivamente desaparece.
Há tempos, num retiro espiritual,
num santuário situado no alto da montanha, fui posto a contemplar a realidade
do homem: seu princípio e seu fim, seu valor como criatura de Deus, como filho
do Pai celeste, irmão de Cristo e feito ele próprio outro Cristo, pelo amor de
Deus para com os homens.
Encontrei aí o homem verdadeiramente
livre, sacerdote, em Cristo e por Ele; ainda, rei e profeta.
Encontrei-o aí “feito Deus”, na
medida em que, libertando-se do seu egoísmo, do seu individualismo, se une a
Cristo e com Ele se identifica numa plena entrega de amor recíproco, levando
com Ele e por Ele ao Pai a oferenda da sua vida neste mundo; toda a sua vida, e
através dela o Universo inteiro - que recebeu para dominar, e conduzir, em
retorno, à glória de Deus.
Mas o homem egocêntrico, egoísta,
orgulhoso de um poder que lhe não pertence, vaidoso da sua inteligência... Esse,
tentei perscrutá-lo lá de cima, nas entranhas da sua cidade. Ele existia nela
aos milhares; vagueava pelas ruas e pelas praças, mas não o pude enxergar, tão
pequenino que era. Em contrapartida, que vista maravilhosa, que beleza, em todo
o horizonte circundante, nos apresentava a obra da Criação!...
Experimenta! Sobe ao alto de uma
montanha. A teus olhos estupefactos, maravilhados, vai crescendo a obra do
Senhor, vai-se abrindo ao teu conhecimento a Sua sabedoria infinita, e vai
desaparecendo da tua vista o homem, na sua pequenez progressiva, até se tornar
irreconhecível! Já Saint-Exupéry o tinha notado, nas suas maravilhosas
considerações literárias sobre o Homem.
Leste ou ouviste o que os
astronautas, nos seus voos espaciais, deixam escapar de assombro pelas
maravilhas que lá do espaço, extasiados, admiram? Mas ao homem, nem por sombras
se referem.
Contudo, é este homem que
ambiciona dominar os outros homens, que faz as guerras, que mata e que atraiçoa
– qual vírus de terrível doença que ataca e tenta destruir a humanidade.
O homem, feito à imagem e semelhança
de Deus, e para Ele criado, recebeu d’Ele um mandato. Mas não é escravo, é
livre! – é verdadeiramente filho de Deus Criador. Ele vive a sua existência no
amor de Deus. A sua vida, produto do Amor, tem de produzir amor – no sentido
horizontal, para com os seus irmãos e no domínio das coisas criadas; no sentido
vertical, para Cristo, onde tudo se reúne: o Universo físico, vital e
espiritual, e a Divindade eterna.
Quão grande é o homem assim
encarado, visto na sua autêntica dimensão mística e universal; quão grande é o
homem que consciente do seu valor e da sua qualidade de filho adoptivo de Deus,
orienta a sua vida para esse “Sol” que
lhe deu o ser e que continuamente o ilumina; quão grande é a sua liberdade, sem
quaisquer pressões ou peias a forçar ou a impedir o seu caminho!... Unido aos
seus irmãos e a Cristo ressuscitado, está de passagem (Páscoa) nesta vida, e dela parte para o Eterno, onde o espera o
“Alfa e o Ómega” de toda a Natureza criada.
Mas que infinitamente pequeno é
aquela aberração de homem que julgando-se por si próprio deus e fazendo-se
centro de todas as coisas, se aniquila e arrasta os outros ao mesmo caos!...
Quantos homens na História se proclamaram “deuses” e senhores... e mais não se
tornaram, no fim da vida, do que pó da terra, deixando no mundo um rasto de
destruição e morte! Podem ter o
seu nome escrito nos anais da História, mas é pela negativa que são lembrados.
Que homem queres ser tu, meu
amigo?
O que sobe às alturas celestes e
ilumina o mundo com o exemplo da sua vida, ou o que se reduz ao nada, na raiva
da impotência e da ignomínia?
O que ajuda este mundo a
transformar-se na virtude e no bem para glória do Criador, ou o que fechado no
seu próprio interesse apenas se serve do mundo, e o leva à destruição?
O que se une por amor aos seus
irmãos e com eles edifica a família e a comunidade em que vive, ou o que,
impregnado de virulento ódio e de mesquinho egoísmo, explora os outros homens,
despreza as suas enfermidades e carências, escraviza-os na injustiça, e os
repele para a morte?
Operário ou patrão, professor ou
aluno, pai ou filho, marido ou esposa, clérigo ou leigo, rico ou pobre, chefe
ou subordinado... A tua vida é sagrada e a tua missão insubstituível. Faz delas
o teu sacerdócio permanente, na humildade e no respeito pelos outros; na
caridade e na justiça; na verdade e na liberdade. Formamos todos um só Corpo,
Místico, de que Jesus Cristo é a cabeça e nós os membros. Toda a nossa vida é
culto a Deus, nada – nem um só cabelo da nossa cabeça – é perdido. Não estejas
só à espera da hora litúrgica, cerimonial, para O louvares no templo. Esse é um
momento particular, mas tu mesmo és templo, porque Deus habita em ti, ainda que
o pressintas distante. Deus chama-te hipócrita, como pelo Seu Verbo incarnado
fustigou os fariseus, se fores orar para o templo e te negares ao culto
permanente da tua vida. Atraiçoas a tua missão sacerdotal, comum a todos os que
se dizem cristãos, se não fizeres da tua vida um cântico de louvor ao Deus que
te criou!
Ouve-me, de homem para homem.
Estamos a sós. Não deixes que as más inclinações invadam e dominem a tua alma,
forcem ou impeçam as tuas decisões. És adulto, e és livre! Não te acorrentes às
paixões! Não permitas que o egoísmo, o ódio, o despeito, a angústia te
torturem.
Deito-te as mãos aos ombros e
abano-te... Acorda! Acorda para a realidade que tu és, e olha para o que
poderás vir a ser, para o que deves ser, para o que te realiza como pessoa, e,
unicamente, te poderá fazer feliz. Encontra-te a ti mesmo, sempre à frente de
ti próprio... A meta da perfeição situa-se sempre mais alto e mais além, e
perde-se nos horizontes eternos.
Não te importes com o que dizem os
outros... Perdoa-lhes, se te molestam; não faças caso, se te louvam. Só Deus
conhece e aprecia o teu interior mais profundo. Melhor do que tu, e sempre
antes de ti.
Quem está unido a Cristo, deve
estar sempre disposto ao sacrifício. Ele foi coroado rei, mas puseram-lhe na
cabeça uma coroa de espinhos. Não há amor sem doação; não há renovação sem a
rejeição do que não presta. O vinho novo, vivificante, requer odres novos – diz
o Senhor.
Dá-me a tua mão. Vamos tentar os
dois. Passo a passo, caminhada em caminhada, de escolho em escolho... Se
cairmos, levantar-nos-emos, com ajuda mútua. Que importa que sangrem os pés?
Venceremos, e haveremos de levar outros pela mão.
Victor Sierra
(In “Margens do Coura” Nov1972)
Victor Sierra
(In “Margens do Coura” Nov1972)
2 comentários:
Texto sempre actualizado,apesar de ser escrito em 1972....rsrs
Quando escreveu esta parte "Acorda para a realidade que tu és, e olha para o que poderás vir a ser, para o que deves ser, para o que te realiza como pessoa, e, unicamente, te poderá fazer feliz".....sim é verdade, tento sempre estar bem acordada, quando estou na sala em silêncio e olho para a urna das cinzas da minha madrinha.Este "pó", que um dia todos nos vamos tornar tem-me ajudado imenso a acordar para a realidade e fazer-me sentir paz interior,aquela paz d'Aquele que um dia disse....Eu sou o Caminho ,a Verdade e a Vida...(A.R.)
Todo o passado foi caminho do presente, e este rapidamente vai absorvendo e concretizando o futuro - é o fluir da Eternidade, que se nos vai apresentando em horizonte... cada vez mais próximo. V. S.
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