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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A última fronteira de Francisco


IN IHU

 Artigo de Enzo Bianchi 

 O aspecto central da viagem do papa à Coreia é uma catequese à Igreja como um todo: não apenas a Igreja coreana ou aos bispos asiáticos, mas a todo o corpo eclesial, local e universal, composto de leigos e pastores, de jovens e de religiosos e religiosas. A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 19-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto. 

 Querendo resumir com uma imagem a viagem do Papa Francisco à Coreia, o pensamento se volta para um coração pulsante que banha o corpo com energias vitais até as suas extremidades. Tivemos mais uma vez um claro testemunho de como o papa, quando fala de "periferias", não usa uma simples metáfora que muitos dos seus pseudoimitadores agora aplicam a qualquer circunstância, mas reafirma um aspecto central do seu ministério pastoral e das modalidades com que pretende exercê-lo. Acima de tudo, o fato de repropor à distância de muitos anos a escolha do Extremo Oriente como meta de uma viagem pastoral do bispo de Roma o levou em proximidade a duas "fronteiras" aparentemente insuperáveis, ao menos imediatamente: a Coreia do Norte e a China. 

 A esses dois países tão diferentes em dimensões, em história também recente, em posição ocupada no concerto das nações, o papa que veio "quase do fim do mundo" se voltou de modo indireto, mas significativo, de um lado recordando a unidade da família coreana e invocando reconciliação e perdão, de outro, colocando na boca do interlocutor as frases que a sua atitude gostaria de despertar: "Esses cristãos não vêm como conquistadores, não vêm nos tirar a nossa identidade: eles trazem a deles, mas querem caminhar conosco". Mas o aspecto central da viagem e dos inúmeros discursos pronunciados é uma catequese à Igreja como um todo: não apenas à Igreja coreana ou aos bispos asiáticos, mas a todo o corpo eclesial, local e universal, composto de leigos e pastores, de jovens e de religiosos e religiosas, uma Igreja fundada e formada também pelos mártires de todas as épocas que souberam e sabem dar a sua vida para que a semente do Evangelho germinasse na companhia dos homens e das mulheres do seu tempo. 

 Também por isso – e não por um anseio de perseguir a atualidade – não faltaram as constantes referências e as orações pela situação dos cristãos no Iraque, na Síria e no Oriente Médio; por isso, a canonização dos mártires coreanos propôs ao culto e à veneração de toda a Igreja – é isso que significa a proclamação de um santo – testemunhas de uma vida evangélica radicalmente vivida. Assim, nos equivocamos ao pensar como voltados apenas à Igreja da Coreia os apelos do Papa Francisco pela pobreza a ser vivida como estilo do cristão no mundo, o convite a replicar na simplicidade da vida e das obras a simplicidade fundante do cristianismo: a palavra de Cristo tornada acessível aos simples e aos humildes, aos pobres em espírito e em bens materiais. Qual cristão, especialmente nos nossos países do Ocidente industrializado, não se sente interpelado por um chamado como o dirigido aos religiosos e às religiosas da Coreia? "

A hipocrisia daqueles que professam o voto de pobreza e, no entanto, vivem como ricos fere as almas dos fiéis e prejudica a Igreja. Pensem também como é perigosa a tentação de adotar uma mentalidade puramente funcional e mundana, que leva a colocar a nossa esperança apenas nos meios humanos, destrói o testemunho da pobreza que o Senhor Jesus Cristo viveu e nos ensinou". Estão, talvez, isentas a própria Igreja italiana ou as Igrejas europeias de vigiar contra o perigo "de que a comunidade cristã se torne uma sociedade, isto é, perca a sua dimensão espiritual, de que perca a capacidade de celebrar o mistério e se transforme em uma organização espiritual, culturalmente cristã, com valores cristãos, mas sem o fermento profético"? E qual bispo ou qual Igreja local pode se isentar do premente convite ao diálogo dirigido aos bispos da Ásia? Uma exortação que enraíza o diálogo na custódia da própria identidade de cristãos, uma identidade que não é dada por culturas ou tradições próprias de um lugar ou de um tempo, mas sim pela "fé viva em Cristo"; uma identidade que não se perde, mas, ao contrário, se torna "fecunda" no debate com o outro, no diálogo conduzido com "empatia", com o desejo de "caminhar juntos", porque "esse é o núcleo do diálogo". 

 Volta e se dilata aquele convite marcado com força a partir da sacada de São Pedro na noite da eleição do Papa Francisco: "Caminhemos juntos, bispo e povo, bispo e povo!". Da Coreia, "o outro" também é associado ao caminho comum do bispo de Roma e do povo cristão do qual é pastor: nos caminhos de humanização, o longo e muitas vezes contradizente caminho para a paz e a justiça deve ser feito juntos, convertendo-se de um passado de guerra e de divisão, pedindo perdão, buscando a solidariedade, reavivando a memória do passado para recomeçar em uma dimensão renovada. E o passado doloroso é resgatado não ao removê-lo, mas ao revisitá-lo no pedido de perdão e na compaixão. Assim, se em Caserta o Papa Francisco havia pedido perdão aos pentecostais italianos pelo silêncio da Igreja diante das iníquas disposições discriminatórias do Estado fascista – episódios que muitos teriam considerado como marginal, insignificante –, em Seul, o papa quis abraçar e mostrar toda a sua solidariedade a um pequeno grupo de mulheres nonagenárias, duplamente vítimas da guerra, violentadas nos seus afetos pelos instrumentos de morte e nos seus corpos pelos militares do Exército inimigo.

 Nenhum ser humano é "efeito colateral" de tragédias maiores: cada um tem um valor inestimável, não só aos olhos de Deus, mas também para o coração misericordioso de cada discípulo de Cristo. Sim, o Papa Francisco mostrou que está no coração da Igreja não tanto porque está à frente do centro nevrálgico do poder do mundo católico, mas porque o seu coração de homem, de cristão e de bispo pulsa para difundir a vida rica de sentido e de esperança que brota do Evangelho de Jesus Cristo

3 comentários:

vp disse...

Maravilha de texto... belo conteúdo... grato pela partilha Irmã...

Nele que nos pede e nos ajuda a sermos a sua verdadeira Igreja...

vp disse...

“Nenhum ser humano é "efeito colateral" de tragédias maiores”

Ao ler novamente o texto, fiquei um pouco bloqueado neste ponto que copiei aqui!
De facto, aos olhos de Deus “temos um valor inestimável”, mas nem por isso estamos isentos das tempestades da vida, acabando por sermos sempre “abrigo” dos seus “efeitos colaterais”, mesmo que indiretamente… e infelizmente, muitos desses efeitos marcam o ser para sempre …! Bom… só mesmo a misericórdia do Pai…

Nele que nos abriga na sua misericórdia no meio de todas as tempestades… poucos dias para partir… Nele tb me abrigo, à sombra das asas do seu Amor….

Maria-Portugal disse...

Penso que aqui se está o autor a referir ao facto de pretendendo atingirem um alvo militar matarem uma série bem grande de civis e aplicarem a esta situação o eufemismo de "efeitos colaterais" como se eles não fossem seres humanos com o tal valor inestimável.


Quanto às tempestades da vida sei que desde criança elas o acometeram....mas agora que tem esta oportunidade de tratar dos males que o afligiram é a misericórdia do Pai agindo em favor do seu filho.

Continumos em oração nestes dias conturbados ,,,