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terça-feira, 21 de maio de 2013

Uma boa análise


«É fundamental a renegociação da dívida»

Manuela Silva

«É fundamental a renegociação da dívida»

Terça-Feira, 21 Maio 2013
Ricardo Perna/Família Cristã




Fala sem papas na língua e não tem medo de sugerir medidas pouco populares. A coordenadora do Grupo Economia e Sociedade critica o caminho escolhido para nos tirar da crise, mas mais do que isso aponta soluções, no seu entender reais, para um caminho alternativo a tanta austeridade. Renegociar a dívida de forma séria e fazer uma auditoria que permita baixar os juros altos que são uma parcela que muito pesa no bolo do empréstimo são algumas das ideias.

É em sua casa que nos recebe com um sorriso e uma simpatia inexcedíveis. Quando começamos a abordar os assuntos mais sérios, torna-se dura e implacável para com os governantes que teimam em não olhar primeiro para as pessoas e só depois para os números. Uma entrevista longa que pode ver na íntegra no sítio Web da FAMÍLIA CRISTÃ ou em vídeo através da aplicação de QR Code.
FAMÍLIA CRISTÃ (FC) – Era possível, na sua opinião, termos recusado a ajuda da troika?
Manuela Silva (M.S) – Não posso dizer que sim, mas eu teria pelo menos estudado outras hipóteses. Portugal é um dos países com maior desigualdade na repartição do rendimento e da riqueza. Por exemplo, teria sido possível, antes da implementação do PEC IV, estudar a aplicação de alguma forma de imposto ou contribuição sob a forma de poupança obrigatória, dirigida aos grupos mais afluentes da nossa sociedade.
Portugal é um país onde em certos sectores se geram rendas, ou seja, lucros que provêm de situações de monopólio, ou situações contratuais particularmente benéficas para o capital. Nada disso foi estudado. Continuamos a ter rendas, parcerias público-privadas (PPP) com contratos leoninos, e não tem havido a coragem política de avaliar essas situações.
Eu não lhe posso responder se daí viria toda a solução para o problema, mas o que desejo sublinhar é que há alternativas que, na altura, não foram ponderadas.
Há muito que defendo uma economia voltada para a satisfação das necessidades das pessoas reais e o bem comum.
Esse tipo de bens só podem ser fornecidos às populações se houver uma vontade política devidamente assente numa estratégia consensualizada que dê prioridade a esses sectores e não se limite à ação cega dos mercados, que, obviamente, orientam os seus recursos de capitais para aqueles sectores que são imediatamente mais compensadores.
FC – Mas no início da intervenção da troika foi dito que o caminho passaria por um corte grande na despesa e algum aumento dos impostos. Mas não foi isso que aconteceu, antes o contrário...
M.S. – A troika vem em representação de credores institucionais, como sabemos. Vem com um modelo que é correspondente à filosofia política que orienta essas instituições. A primeira questão que se deveria ter colocado era a de saber se aceitamos ou não uma entidade que vai funcionar à margem da Constituição da República e dos princípios constitucionais. Esse foi o primeiro erro, que fragilizou as nossas instituições, a começar pelo Governo, mas também a concertação social, que continuou a funcionar, mas no vazio, sem que se tenha atendido efetivamente aos seus pareceres. Enfraqueceu as posições dos sindicatos, dos parceiros sociais, e criou um mito: o mito da inevitabilidade. Isto é perigosíssimo em política económica, porque a política económica deve ser a arte de considerar diferentes oportunidades e não descurar nenhuma dessas oportunidades. Quando lhe impõem um fato por medida, pode sentir-se apertado, mas se lhe dizem que não há outro tentará adaptar-se.
A negociação com a troika enferma de um equívoco, a pseudoinevitabilidade da austeridade, com o consequente erro de fechar o leque das oportunidades.
FC – Mas porque é que é tão difícil cortar na despesa?
M.S. – Eu acho que o primeiro erro foi começar a dizer que era preciso cortar na despesa, quando o que se deveria ter feito era definir que objetivos queríamos manter e quais os recursos que precisávamos para atingir esses objetivos, naturalmente com uma condicionante que é o limite dos meios. Fazer cortes cegos na despesa não só não é eficiente como tem efeitos colaterais que são de difícil correção.
Que é possível reduzir a despesa, do meu ponto de vista, sim. Que é mais fácil reduzir dizendo que se corta X% em tudo, é. Mas não é essa a melhor solução. Há que olhar, caso a caso, e tentar introduzir racionalidade naquilo que é o perímetro da intervenção do Estado. Não é por acaso que não se fizeram cortes substanciais em alguns sectores, e estou a pensar outra vez nas PPP, mas também nos gastos com os gabinetes ministeriais, nas mordomias da classe política...
FC – Esses seriam cortes mais simbólicos, devido ao volume de poupança, ou iriam mesmo ter efeito no orçamento?
M.S. - Poderiam ser significativos em termos de orçamento, mas seriam certamente cortes simbólicos de um valor inestimável. Se realmente temos presente a população no seu todo, devemos preocupar-nos em que os cidadãos se revejam nos poderes políticos que conduzem os destinos do país.
FC – Uma das mexidas mais polémicas foi nas questões da legislação laboral, às quais o GES se opôs. Porque é que eles dizem que é essencial e vocês defendem o contrário?
M.S. – Bom, isso depende sempre da perspetiva de análise. No caso do GES, a nossa perspetiva é a do humanismo e a inspiração que encontramos na Doutrina Social da Igreja (DSI). A legislação que tem sido publicada visa sobretudo dar novos instrumentos à classe patronal e empresarial relativamente à gestão da força de trabalho. Isto introduz um grande desequilíbrio entre o poder do empregador e do empregado, mormente quando estamos numa situação em que o desemprego é elevado, como é caso. A legislação laboral sempre foi pensada no sentido de ser um meio de permitir maior coesão social. Este tipo de medidas vem sob a capa da flexibilização, que é até uma palavra simpática, mas que encobre alguma possível manipulação menos responsável e abuso de poder por parte da entidade patronal.
FC – Mas esta flexibilização deveria permitir a criação de emprego... ou não?
M.S. – A realidade desmente isso. Houve essa legislação e nos últimos dois anos 100 mil postos de trabalho desapareceram. Não é com esse tipo de raciocínio que se vão criar empresas mais competitivas e inovadoras ou gerir melhor as que existem. E não esqueçamos que quem tem o poder exerce-o, e, por vezes, até de forma irracional. Por vingança, por exemplo. O que nós precisamos é de uma legislação laboral que defenda o trabalho e que dê ao trabalhador o direito de participar de uma forma mais ativa na empresa.
FC – Se este não é o caminho para a recuperação económica e para o equilíbrio do défice... qual é?
M.S. – Eu espero que apareçam alternativas. Há alguns exemplos que, no meu ponto de vista, são importantes, mas terão de ser apoiados por uma força política que queira levar por diante um projeto dessa natureza. Penso que é fundamental uma renegociação da dívida soberana. Mas uma renegociação a sério. É preciso ir mais fundo do que uma mera renegociação de prazos e fazer uma séria auditoria à dívida.
Penso que isto é fundamental, porque não podemos continuar a desviar recursos internos para pagamento de juros especulativos. Não falamos de pagamento da dívida, mas sim dos juros que nos exigem, que são excessivos.
FC – Mas o que faria essa auditoria exatamente?
M.S. – Bom, em primeiro lugar, propõe-se investigar a origem da dívida. Parte dessa dívida, neste momento, já é resultante de juros acumulados durante este período, juros que foram contratualizados a taxas que não são taxas suportáveis.
Portanto, há que repensar a dívida, saber em que condições ela foi contratualizada, saber o que é parte especulativa e o que não é parte especulativa, saber qual é a dívida legítima e a dívida ilegítima, e ter diante dos credores uma posição firme de não vontade de continuar com este tipo de encargos.
FC – E podemos ter essa posição firme perante os credores?
M.S. - Nós podemos ter essa posição, porque inclusivamente alguns desses nossos credores são instituições internacionais às quais nós pertencemos de pleno direito, como é o caso do FMI e do BCE.. Podemos sempre comparar as nossas condições de acesso ao crédito com as de outros países...
FC – Que mais soluções teríamos?
M.S. – É muito importante dispor de uma estratégia de desenvolvimento a médio prazo para o nosso país. Curiosamente, ao fim destes anos, essa estratégia ainda não está claramente definida. É essa estratégia que vai permitir dar aos investidores um mapa claro das oportunidades de investimento em Portugal – não é com receitas avulso, que se resolve isto – e perceber qual o papel do Estado. Há que pensar no país como um todo, a sua população e as suas necessidades, criando oportunidades de aproveitamento dos recursos locais à população que lá vive, e com uma orientação firme de que a valorização desses recursos é para o bem dessas populações.
Depois há outros problemas que é preciso resolver. O Governo, por receio de risco sistémico, que não estava provado que existisse, injetou recursos públicos em alguns bancos, isto é, o dinheiro dos contribuintes, e há que encontrar forma de devolver esse dinheiro aos cidadãos, sob qualquer modalidade, dando aos cidadãos a possibilidade de serem ressarcidos de um rendimento que foi desviado para esses objetivos.
Estas questões estão estudadas, não precisamos de equipas técnicas estrangeiras que nos venham dizer quais são os nossos sectores prioritários. É preciso, isso sim, haver algum consenso nacional e este tem faltado. Os partidos políticos, a meu ver, não se têm mostrado à altura de conseguir um tal consenso em torno de uma estratégia global de desenvolvimento. Quer no governo, quer na oposição, não têm olhado para o país com um horizonte a médio prazo, dando prioridade ao bem-estar individual e coletivo.
FC – Este Governo, antes de ser eleito, já sabia que estes problemas iriam acontecer?
M.S. – Eu não faço processos de intenção. Não sei se sabiam ou não. O que posso dizer é que tinham obrigação de o saber.
FC – Um país sem natalidade, com profundas desigualdades, onde o desemprego aumenta sem parar... ainda há esperança para nós?
M.S. – Nunca está tudo perdido, e nem tudo é mau. Temos pessoas fantásticas, com uma grande competência científica e técnica e com generosidade bastante para colocar o bem comum acima dos seus interesses individuais. Os portugueses dão dos seus bens, muitas vezes com dificuldades, temos a solidariedade familiar, que tem funcionado como almofada protetora relativamente a muitas das situações de desemprego, etc.
Temos de olhar para o futuro com esperança, sobretudo a partir de nós próprios. Se nós fizermos em cada dia o bem, através da palavra, do dom ou do nosso esforço pessoal, estamos a construir uma sociedade melhor. Precisamos de pessoas bem armadas do ponto de vista cultural e de consciência ética.
In Família Cristã

1 comentário:

vp disse...

Falta-nos gente com esta visão nos lugares de decisão....

Santo dia....