(João XXIII assinando a convocação do Concílio)
Eminência, qual é a sua lembrança dos anos do Concílio?
Guardo principalmente a lembrança da atmosfera daqueles anos, uma
sensação de entusiasmo, de alegria e de abertura que nos invadia.
Durante o Concílio, passei os melhores anos da minha vida, não só e nem
tanto porque eu tinha menos de 40 anos, mas porque finalmente se saía de
uma atmosfera que tinha um pouco de cheiro de mofo, viciada, e se
abriam portas e janelas, circulava o ar puro, olhava-se para o diálogo
com tantas outras realidades, e a Igreja parecia ser verdadeiramente
capaz de enfrentar o mundo moderno. Tudo isso, repito, nos dava uma
grande alegria e uma forte carga de entusiasmo.
Segundo o senhor, o que permanece hoje daqueles anos?
Permaneceram muitas coisas. Antes de tudo, é preciso dizer que aqueles
que os viveram deram um passo importantíssimo nas suas vidas, porque
receberam do Concílio uma confiança renovada nas possibilidades da
Igreja de falar a todos. Depois, permanecem muitos elementos contidos
nos vários documentos conciliares: penso na liturgia, no ecumenismo, no
diálogo com as outras fés, na reflexão sobre a Escritura. Para a nossa
Igreja, uma grande riqueza que mantém intacta toda a sua atualidade e
todo o seu valor.
E, na sua opinião, o que se perdeu?
Não é fácil responder. Houve certamente um pouco de desvios, mas
principalmente no exterior, na aqui entre nós, na Itália. Diria que o
que se perdeu é justamente aquele entusiasmo, aquela confiança da qual
falava, aquela capacidade de sonhar que o Concílio havia comunicado à
nossa Igreja e que nos provocou tanta alegria. Voltamos um pouco às
águas rasas, a uma certa mediocridade.
Alguns dizem que
o Concílio foi marcado pelo contraste claro entre uma maioria
progressista, chamemo-la assim, de bispos e teólogos, e a Cúria Romana
que remava contra. O senhor compartilha dessa reconstrução?
Sim, penso que, com efeito, houve essa contraposição. Não se pode negar
que, em certos setores da Cúria, havia uma força frenante. Mas isso é
compreensível, porque a Cúria estava acostumada a fazer todos os
decretos, a manter tudo nas mãos, e por isso pode-se entender bem que,
para os curiais, ver esse controle fugir das mãos não foi agradável.
Eminência, qual é o personagem do Concílio que o senhor mais lembra?
Na verdade, há muitos. Gosto de me lembrar de Dom Helder Câmara,
o arcebispo e teólogo brasileiro, falecido em 1999. Estou lendo
justamente neste período as cartas que ele endereçava aos seus amigos no
Brasil, escrevendo-lhes todas as noites às duas horas ("H. Camara, Roma, due del mattino. Lettere dal Concilio Vaticano II", editado por S. Biondo, Ed. San Paolo, 2008). Uma grande figura! E depois me lembro do cardeal belga Leo Jozef Suenens, o arcebispo de Malines-Bruxelas,
que defendeu algumas teses muitos corajosas. Entre as pessoas que não
participaram diretamente dos trabalhos do Concílio, mas que estiveram
muito próximas daquela atmosfera de renovação, me lembro do padre
jesuíta Stanislas Lyonnet, grande estudioso de São Paulo, que ensinava no Pontifício Instituto Bíblico
e que tinha muitos contatos com os padres conciliares. Devo dizer que
foi um tempo de grandes amizades alimentadas por um fortíssimo desejo de
conhecimento.
E hoje um Concílio Vaticano III seria útil para a Igreja?
Não é fácil responder. Há prós e contras. A meu ver, certamente seria
útil à Igreja fazer um Concílio a cada tanto para comparar as diversas
linguagens. Eu sinto essa necessidade porque me parece que existe
justamente uma dificuldade em se entender. Mas não acredito que deveria
haver um Concílio como o Vaticano II, isto é, dedicado a todos os
problemas da Igreja e das suas relações com o mundo. No centro de um
eventual novo Concílio seria preciso colocar apenas um ou dois temas e
depois, uma vez examinados e exauridos estes, convocar um outro Concílio
depois de 10, 15 ano, centrando-o em poucas questões. Sim, penso que
essa deveria ser a linha a se seguir.
E o senhor, que
deu vida em Milão à Cátedra dos não crentes, pensa que se poderia pensar
em um Concílio aberto a quem não crê, aos mais distantes, para lançar
uma mensagem também a eles?
Não vejo um Concílio desse
tipo. Porém, é certo que, quando um Concílio fala, ele fala também aos
não crentes. Porque a preocupação do Concílio, de todo Concílio que seja
verdadeiramente isso, deve ser a de se fazer entender e, portanto, de
chegar verdadeiramente a todos, não só aos católicos. No Concílio
Vaticano II, essa preocupação esteve bem presente e é um outro motivo
pelo qual eu o lembro com alegria e gratidão.

3 comentários:
Sim...essa "sensação de entusiasmo, de alegria e de abertura que nos invadia" e que tanto solidificou a minha Fé de jovem.
Precisamos de retomar esse entusiasmo e cumprir o que falta cumprir que é muito.
Eu saltei da barca e caminho sobre as ondas ao encontro de Cristo que me chama. A Igreja deve renunciar às suas certezas. Deve abandonar a segurança da barca e caminhar sobre as ondas. Chegará a noite, a tempestade, o medo. Mas não há que retroceder. A Igreja é chamada a ir ao encontro do mundo».João XXIII
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