Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui):
Não esperava voltar aos feriados. Se volto, é por
causa da troika e do debate que se gerou. Não creio que o
atraso nacional se deva propriamente aos feriados ou que seja a sua supressão
que nos vai fazer dar um salto em frente. As razões do atraso - a ordem é
arbitrária - são mais fundas: sem negar manchas felizes de excelência, uma
educação coxa; falta de produtividade; não temos uma cultura do trabalho - a
religião também influenciou; uma industrialização atrasada; o velho encosto ao
Estado protector, que engordou desmesuradamente; incompetência na governação; assimetrias
sociais gritantes; a corrupção e a aldrabice atávicas - não apareceram agora,
por causa do fisco, mais de cem mil filhos inexistentes, e, nos centros de
saúde, dois milhões de utentes-fantasmas?; excesso de administradores nas
empresas públicas, com privilégios e prémios imerecidos; justiça lenta e
sentida como desigual; desemprego galopante; uma multidão ondulante pendurada
da política e dos partidos; cumplicidades entre a política e interesses
privados... Quando se lê o estudo recente "A Qualidade da Democracia em
Portugal: a Perspectiva dos Cidadãos", há razões sérias para preocupação.
Mas compreendo até certo ponto o projecto em curso,
sobretudo porque há a tendência para as "pontes" e todo o problema
dos gastos por causa da produção em cadeia.
Claro que o homem precisa de trabalhar. Essa é mesmo
uma das suas características: é transformando o mundo que se humaniza. E esta
relação com o mundo é mais do que uma relação de trabalho para a produção de
bens para a subsistência, porque o trabalho é também realização própria, social
e histórica, já que é construindo o mundo que a humanidade ergue a sua história
de fazer-se. Cá está: o desemprego não é então dramático apenas por colocar em
risco a subsistência, mas também a realização de si e o reconhecimento devido
ao facto de contribuição na obra comum. Portugal precisa de responsabilidade no
trabalho, de boa gestão, de educação e formação excelentes, de iniciativa e
empreendimento, justiça social, estímulos salariais.
Mas o ser humano não se define apenas pelo trabalho.
A sua relação com o mundo e com os outros é também de gáudio, de gratidão, de
criação, de contemplação da beleza. O seu ser não se esgota na produção:
destrói-se a si próprio, quando vive para sobreviver. Pelo contrário, sobrevive
para viver, e viver tem em si a sua finalidade, e, nesse viver, estão presentes
e gozosos a festividade, o "luxo", o gratuito, a alegria genuína e
expansiva de ser, o inútil do ponto de vista da produção - "o fascinante
esplendor do inútil", escreveu George Steiner.
Feriado quer dizer, atendendo ao étimo, precisamente
dia festivo. Vale em si mesmo e por si mesmo. Tem a sua finalidade em si
próprio e não é meio para outra coisa, concretamente para que os trabalhadores
recuperem forças para poderem trabalhar outra vez e mais. É da natureza do
feriado ser um acontecimento não programado: é um "luxo", uma
"graça" inesperada. Para haver tempo para a família e o homem
lembrar-se de que é criador festivo e não simples besta de carga.
Dimensão essencial do feriado é também a comemoração
de um acontecimento importante, constituinte da identidade de um povo. Lá está
a memória, a história e a simbólica.
No que se refere aos chamados "feriados
religiosos", julgo que a Igreja lidou mal com o problema, ao situar-se no
plano de reivindicação perante o Estado: dois feriados religiosos face a dois
civis. No quadro de boas relações mútuas, a Igreja não pode nem deve colocar-se
no plano da igualdade com o Estado, pois são ordens diferentes.
Deveria antes ir pela positiva e situar-se no plano
daqueles feriados que, cultural e historicamente, estão para lá das pessoas
religiosas, nos quais os portugueses em geral se vêem incluídos. Assim, a
Páscoa celebra-se ao domingo. O Natal também é a festa da família. O dia dos
Santos e dos Defuntos refere-se à memória, ao confronto com a morte e ao
sentido da vida. A Imaculada Conceição é a Padroeira e lembra as mães. Na
Sexta-Feira Santa, celebra-se o melhor: o amor, a entrega, a generosidade
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