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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho


MEU PAI TRABALHA SEMPRE

EU TAMBÉM TRABALHO
(Jo 5,17)


Meu Pai trabalha sempre e eu também trabalho. O texto ouvido nasce do encontro misericordioso de Jesus com o doente junto à Piscina de Betesda. Uma multidão de enfermos, cegos, coxos, tísicos. Entre todos eles um que há 38 anos padecia com sua doença. Prostrado em seu leito não era mais capaz de mover-se sem o auxílio dos outros. Muitos anos ali deitado à espera de alguém que o ajudasse no momento da movimentação das águas. A força da Palavra convence o homem a levantar-se, tomar o leito e voltar para casa. O trabalho do Filho de Deus é erguer, mover, colocar o homem de pé, sair da imobilidade e da dependência alheia, assumir a sua miséria e fragilidade, ajudá-lo a retomar o caminhar e encontrar o caminho de casa. O caminho de casa como acolhimento da limitação, carregando o leito da fragilidade humana, assumir-se, erguer-se e voltar a caminhar, a abrir veredas, no sertão da vida. Nada de dependência, de espera pelos outros, de depender dos outros, pois ele deveria ser como Pai que trabalha sempre e como Filho que também trabalha.

Trabalho que é trabalho é sempre um operar, fazer obra, obrar, um corpo-a-corpo, a ação mais imediata, o fazer mais próximo, a responsabilização pelo mais simples e concreto; mão na massa, como o operário que vive de seu salário, como a mãe que vive de sua maternidade.[1]

O trabalho do Pai é tão corpo-a-corpo, tão mão na massa, é um contínuo operar que podemos dizer: Tu és sempre o mesmo e tudo o que é amanhã ou depois de amanhã, o que é ontem e também anteontem, tu o fizeste hoje, o fazes o hoje (Sto Agostinho, Confissões, 6,10). O trabalho, o modo do trabalho do Pai é sempre um hoje, é sempre presente, sempre um aqui e agora, sem passado, sem futuro, sem descanso, sem tempo, sem espaço, sem sábado. Ele está operando, atuando sempre, é sempre ação presente. Ele só cuidado misericordioso.

Ação, trabalho presente, um hoje, pois, o amar de Deus jamais é ocioso; de fato opera grandes coisas, se é amor; se renuncia a operar, então não é amor (Gregorio, PL 76, 1221). O próprio do trabalhar, do agir, do operar, do Pai é amar. O amor no seu operar não tem tempo, não tem espaço. Mas cria e recria o tempo e o espaço no amar. A sua ação é o tempo e o espaço do amor. O seu tempo e o seu espaço é amar.
No amor o Pai é operativo. Ele é só trabalho, Ele é amor. Não da força bíceps, não da força-motor, não do trabalho conquista, do trabalho produção, do trabalho acumulação, mas do trabalho criacional de todos os seres. Com desvelo paternal cuida de cada criatura e gera e regenera a cada pessoa. Ele trabalha sempre! Sempre no desvelamento amoroso de não deixar nenhuma criatura, nenhuma pessoa, fora do desvelamento de seu amor maternal.

Maternal porque cuida desveladamente, preferencialmente, dedicamente, cuidadosamente, sem dia marcado, sem reservas, sem descanso, sem restrições, sem sábado, a cada pessoa. Ele trabalha sempre, ama sempre, por isso, o trabalho-amor é o seu descanso. O trabalho intermitente, gratuito, generoso, cordial, acolhedor, guardador, justo, reto, jovial. Assim, no seu trabalho-amor Ele é o descanso, onde tudo descansa, repousa, se refaz e deixa-ser na cordialidade da existência (Cirillo di Alessandria, Comentário ao Evangelho de São João).
O trabalho, o cuidado, o desvelo, de Jesus é criticado, pois supera o descanso sabático. Nenhum trabalho é possível no dia do Senhor. Mas, o Pai trabalha sempre, diz o Filho apesar de a Escritura referir que no sétimo dia descansou. O Pai não se negaria a fazer misericórdia em dia de sábado (Sto Agostinho, Comentário ao Evangelho e à lª Espítola de São João).

Misericórdia é a tradução da palavra hebraica rahamîns que deriva de réhem. Réhem quer dizer matriz, o útero da mulher. O... amar de Javé, o amar do Pai, é como o útero materno que alimenta, cuida, mantém, dá vida. Vive para matriciar o mundo.[2]

O Filho, por ser igual Pai, também trabalha sempre, está sempre em atividade, opera sempre, e vendo que ser misericórdia faz parte da sua natureza, também ele por natureza se faz misericórdia (Cirillo di Alessandria, Comentário ao Evangelho de João). Por isso o Filho poderia dizer: porque o Pai não deixa de ter misericórdia no sábado já que vejo a sua misericórdia em tudo, devo ser como ele misericórdia (Cirillo di Alessandria, Comentário ao Evangelho de João). Por ter a mesma natureza, por ser como o Pai, por amar como o Pai, por ser amor como o Pai, por manter a vida como o Pai, por ser desvelamento como o Pai, o Filho não pode negar-se ao cuidado afetuoso no dia de sábado. O seu tempo e o seu espaço também é amar. Ele deixaria de ser amor se não estivesse em contínua atividade misericordiosa, amorosa, uterina.

Toda atividade, toda a missão, do Filho está na tentativa de trabalhar como o Pai trabalha, ser misericórdia como o Pai. E ele diz e faz somente o que vê o Pai fazer, pois Eu não posso fazer nada por mim mesmo. Sai ao encontro do Homem prostrado em seu leito de fragilidade, o põe de pé, devolve o caminho e seu caminhar, lhe concede a vida, oferece a salvação, o liberta. Como o Pai, Ele também só sabe matriciar, gerar, cuidar, velar, dar a vida, ser misericórdia.
E nós em vendo a operação, o trabalho, do Filho como o Pai, somos provocados a volvermos nosso olhar para o nosso trabalho aqui nesta casa: o estudo. Estudo aqui é trabalho. O trabalho-estudo da filosofia e teologia como o operar mais imediato, o mais cotidiano do nosso fazer, mais corpo-a-corpo, da nossa cotidianidade. Pois, em estudando estamos nos per-fazendo, estamos na mesma tonância da perfeição do Pai e do Filho: amar como eles amam, cuidar como eles cuidam. Temos a mesma “natureza” do Pai e do Filho: ser misericórdia.
O estudo da filosofia e da teologia, o estudo em geral, silenciosamente toma contornos de finalidade, de um determinado fim, próprio da compreensão da ciência e da técnica, esquecido da sua tarefa fundamental o de trabalhar sempre como o Pai trabalha, quer dizer, sondar o modo misericordioso e amoroso de operar como o Pai e a graça do trabalho-estudo.

O trabalho, o estudo, na skolé grega e medieval era impulsionado por uma espécie de desapropriação, de um desmonte de todo o saber, do aparato do saber, do saber-sabido, para estar na disponibilidade, na receptividade, à espera do inesperado. O estudo era muito mais o trabalho gratuito, o trabalho livre por excelência (Hugo de São Vitor – Didascalion).

Perdendo a gratuidade, a liberdade, o estudo teológico e filosófico podem tornar-se apenas uma meta, um fim, uma finalidade, um porquê, um para que, uma condição. Assim fosse perderia a sua grandeza de atração, deixaria de ser a sondagem livre e gratuita do mistério manifestado na presença inaudita e esvaziada do Filho do Homem entre nós. Deixaria de ser o encontro com a pessoa de Jesus Cristo, Verbo feito carne, Luz que ilumina toda pessoa vinda ao mundo, esquecendo da instauração do Reino de Deus. Poderíamos dizer: o estudo-trabalho, o trabalho-estudo perderia a abertura misericordiosa da superação da lei do sábado.

A abertura misericordiosa do sábado é o modo da gratuidade, o modo do amor. O trabalho-estudo, nesse sentido, é sem porquê, é sem para que, é como a flor aberta no orvalho da manhã, sem saber que existe. A rosa é sem porquê, floresce por florescer, não se vê a ela mesma, nem se pergunta se a vêem (Angelus Silesius, O peregrino querubínico).

O sem finalidade, a gratuidade do trabalho-estudo teológico-filosófico, a experiência da liberdade da fé no trabalho-estudo, pede de cada um de nós empenho, dedicação, abertura, pesquisa, meditação. Um trabalho corpo-a-corpo, um trabalho cotidiano, o mais imediato, o mais próximo, o mais dia-a-dia, mão na massa, na busca do Reino de Deus e sua justiça.

Dito de outro modo, na liberdade e gratuidade do trabalho-estudo receberemos gratuitamente o pulso, a pulsação, da graça da presença do Filho de Deus no homem Jesus e no ouvir começamos a ver a sua presença encarnada. Ver e ouvir constituem o fundamento de toda a sabedoria (André Chouraqui, A Bíblia Lucas). Sabedoria não é informação, transmissão. Informações colocamos hoje no computador, informações deixamos em pendriwe. Aqui não buscamos apenas informações, mas aqui trabalhamos de tal forma que fazemos experiência de algo.

Experiência de algo significa a experiência do mistério (Karl Rahner, Ser cristão). Aqui não estamos para aprender doutrina, as doutrinas estão cheias de ideologia, aqui estamos para no confronto, no diálogo, nos abrimos para o mistério estupendo e insondável de um encontro amoroso manifestado de modo tão inaudito na gruta de Belém, na Cruz. No encontro com o vazio do sepulcro, no trabalho estudo, na saudade do amado não reconhecido no jardim, talvez ouviremos também nós Maria, isto é, o nosso nome! E ao ouvirmos nosso nome abrir-se-á um novo céu e uma nova terra, a Vida do Ressuscitado, a verdadeira sabedoria.


Vida nova, salvação, operação, trabalho do Filho no encontro com o homem de Betesda. Vida nova, salvação, libertação do homem da Amazônia, no servir às nossas Igrejas. Vida Nova, misericórdia nos mais pobres e necessitados. Vida Nova e salvação que imploramos ao Homem das Dores nesse trabalho penitencial do tempo da Quaresma. Amém.
Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia
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E a nós? O Amor não nos fará sempre trabalhar agora e depois?

2 comentários:

vp disse...

Estou para aqui "embrulhado" com o livro, que está a ser montado na Paróquia com a prata da casa, por isso não tenho tido muito espaço para vir aqui, mas gostava de aprofundar o tema anterior sobre a "intercessão"... por isso, logo voltarei a ele com tempo...

Santo fim-de-semana a todos...

Maria-Portugal disse...

rs...este
post é uma continuação dos anteriores ,assim tem a ver com a intercessão no pós-parto final...
que nada tem a ver claro com o tráfico de influências...

Bom acabamento do livro.

Saudações amigas