Frei Bento - 03-10-2010
O grande perigo não é a anarquia ou a desordem actual, mas a dispersão da anemia
1.Estamos habituados a ouvir falar da urgência de uma "nova ordem mundial". Numa homilia, em Fátima (13.07.2010), D. João Miranda, bispo auxiliar do Porto, transferiu o seu sentido para o âmbito eclesial: "Também para a Igreja é precisa uma Nova Ordem pastoral, que se exprima em acolhimento, respeito, desprendimento, mais partilha de bens, comunhão e paz, mais Palavra de Deus e menos ritos. A Igreja, nós, não podemos enredar-nos em pormenores, mas temos de atender as pessoas e não ter medo de anunciar um Evangelho difícil, mas que enche as medidas do coração."
A última Carta Pastoral dos Bispos (17.06.2010) já apontava algumas acções a desenvolver para desenhar o rosto missionário da Igreja católica em Portugal.
O instrumento de trabalho que a precedeu - "Repensar juntos a Pastoral da Igreja em Portugal" (14.04.2010) - verifica que "a Igreja - nas suas múltiplas dioceses, congregações religiosas, movimentos, novas comunidades, associações de fiéis - vive dispersa em inúmeras actividades, encontros, jornadas, congressos, instituições... que parecem não ter ligação entre si nem dar aquela vitalidade e inovação significativa na vida dos cristãos, nem irradiar sinais de esperança na sociedade em que vivemos. Há nela muitas instituições sociais, meios de comunicação social, instituições de ensino e assistência... mas parecem ficar no seu âmbito próprio, sem serem vistas e reconhecidas, e nem elas mesmas parecem sentir-se e agir como membros diferenciados de um só corpo, a Igreja.
As cartas, notas, mensagens e outros documentos pastorais da Conferência Episcopal têm algum impacto no momento em que são publicados, mas depois são esquecidos, não chegando a dar os frutos desejados. O processo de catequese, sobretudo na infância e adolescência, foi recentemente renovado e alargado, mas observa-se que, a não ser numa pequena percentagem, acaba por não gerar cristãos vivos e empenhados. Por outro lado, no que se refere aos jovens e aos adultos, não se têm conseguido grandes avanços na formação sólida da fé de modo a acompanhar os diferentes momentos da vida das pessoas. Que falta?" (1).
2. A hierarquia confessa, com esta pergunta, que não sabe como superar a situação. Volta-se, e bem, para os católicos, porque o que diz respeito a todos deve ser investigado por todos: o conjunto dos fiéis, dos movimentos, das associações, das paróquias, das congregações religiosas, deve assumir um comportamento de investigação, de abertura à surpresa, seja ela agradável ou não. Sem saber a razão deste estado de coisas, não há forma de o alterar.
Se, porém, a preocupação primeira for a da conexão entre tudo o que os diferentes grupos da Igreja já estão a fazer, corre-se o risco de confundir evangelização com operações centralizadoras. Tudo seria canalizado para sistemas de coordenação. Em vez de interrogar a fundo os caminhos que se estão a percorrer - ou não -, criam-se mais regulamentos e mais burocracia nas paróquias, nos movimentos, na pastoral diocesana e nacional. É uma tendência que podia exemplificar em muitas situações, pois o espírito de controlo do que é eclesial e do que não é já grassa em muitos serviços paroquiais. O grande perigo não é a anarquia ou a desordem actual, mas a dispersão da anemia.
Para marcar que não vale tudo - estou a pensar no acesso a celebrações de baptismos, casamentos e funerais - acaba-se por apagar a mecha que ainda fumega, em vez de desenvolver um processo de acolhimento pedagógico que provoque o gosto de aprofundar os caminhos da fé para reconstruir a vida. Como falar de Igreja missionária, quando os seus oficiantes se recusam a deslocar-se para o mundo daqueles que, por diversas razões, se afastaram da "prática religiosa" e tentam uma nova aproximação?
Como disse o Papa João Paulo 1I, a paróquia, por vocação, deve ser casa de família, fraterna e acolhedora, pois a missão essencial da Igreja é a de revelar, em todas as suas manifestações, que o ser humano, seja ele qual for, é amado por Deus, ou, como dizia Jesus Cristo, tem o seu nome inscrito nos Céus.
Quando, por outro lado, se pretende reduzir a salvação ao que acontece nos espaços paroquiais, ignora-se que o Espírito sopra onde quer e que a acção de Deus não está ausente do mundo secular, onde importa descobrir os seus sinais.
3. Os católicos estão perante um convite à participação numa investigação e num debate que conduzam a uma "nova ordem pastoral". Ficar de fora para, depois, vir dizer que não se faz nada ou que aquilo que se faz está mal feito, não me parece a melhor opção.
A má-língua nada tem a ver com o espírito crítico, que se caracteriza pela capacidade de ver, analisar e avaliar, isto é, saber destrinçar para decidir segundo todos os dados recolhidos. A má-língua é derrotista e paralisante. O espírito crítico, pelo contrário, ao não reproduzir velhas perguntas - perguntas velhas só podem trazer velhas respostas -, levanta questões que, pondo em causa falsas evidências, abrem o caminho à investigação do desconhecido.
Uma nova ordem pastoral não poderá ser um regulamento do tudo previsto, para todas as situações, impedindo as surpresas da vida e o espírito de criatividade.
(1) Para o conjunto dos documentos em causa, ver Lumen, Julho, Agosto 2010.
in Público
Quando eu era pequena ir à catequese dizia-se :ir à doutrina.
Parece-me que nada mais de errado.A doutrina, só por si, esfuma-se se não se conseguir transmitir a paixão por Cristo.
Parece-me que nada mais de errado.A doutrina, só por si, esfuma-se se não se conseguir transmitir a paixão por Cristo.
5 comentários:
... ai abençoado texto... venha sim, venha tal vento e varra este lixo todo dos "excrementos das vaidades e poderes humanos"... desculpem-me a linguagem mas já é tempo de pegar-mos o boi pelos cornos... a vida da Fé não se compadece dos anémicos que não desejam mudar...
Obrigado Irmã Maria por nos compartilhar tal riqueza...
Santo Domingo a todos...
pegarmos.... desculpem o erro
COmo me fazem bem estas leituras...Obrigada maria, já partilhei no Faceboock, quem sabe alguém lè.
Votos de bom Domingo para todos
Victor, por vezes o uso de palavras mais "duras" é incontronável. Só elas têm a força que precisamos. Beijo
sim Ana.. beiju tb pa ti... bom Domingo
Alguém a falar claro!!! Bem-aventurado seja...
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