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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Solidão arrasta nove idosos para a morte em 12 horas - Portugal - DN



Entre as 10.00 e as 22.00 de domingo foram encontrados mortos nove idosos, sete homens e duas mulheres, que viviam sós
"Janeiro e Fevereiro levam e o velho e o cordeiro", diz o adágio popular a admitir que aqueles meses são os mais ameaçadores para a vida dos idosos. Mas as nove mortes, sete homens e duas mulheres, que a PSP registou entre as 10.00 e as 22.00 de domingo apresentam características que violam a ordem natural da existência humana. Uns morreram abandonados, outros em situação de solidão, outros provavelmente às mãos de gente criminosa, e outros porque os desespero ditou o fim da linha.
"Não, não é normal. São muitas mortes em poucas horas", disse ao DN a sub-comissária Carla Sofia, do gabinete de relações públicas do comando de Lisboa da PSP. A situação chamou a atenção dos agentes, sendo que nunca antes a carrinha de transportes de cadáveres da corporação tinha sido tão requisitada para levar tantos idosos ao Instituto de Medicina Legal de Lisboa.
A situação mais estranha talvez seja a que se registou em Benfica, junto ao Centro Comercial Colombo, n o domingo à noite. Um casal, ele com 76 anos e ela com 75, apareceram mortos no apartamento. Não se trata de uma situação de indigência. A qualidade do prédio indicia que se trata de pessoas com algum poder económico. Só não se sabe porque morreram. A hipótese de ter havido ali uma mão criminosa não está descartada. Mas, de acordo com fonte policial, só a autópsia poderá revelar algumas pistas.
Albertina morreu em Alfama. O alerta foi dado às 11.00 de domingo. Não pode ser considerada uma pessoa idosa. Afinal, tinha apenas 53 anos. Vivia há um ano e meio num quarto de um apartamento arrendado pela Santa Casa da Misericórdia, e que serve para acolher quem não tem um lar, ou uma estrutura familiar de apoio. Mas Albertina era doente, contou-nos Maria do Carmo (na foto), residente naquele mesmo espaço juntamente com mais duas outras mulheres. Já por várias vezes a falecida estivera internada no hospital Pulido Valente com problemas nos pulmões. E acabado o internamento regressava sempre àquela casa que não era a sua, e onde também ninguém existia que fosse seu. "Tinha várias filhas e acho que a mais nova a visitava", contou-nos Fernanda, proprietária do restaurante situado na rua ao lado e onde às sextas e sábados canta o fado.
Foi Fernanda quem chamou o INEM. " A D. Carmo chegou aqui, aflita, e disse: 'Acho que a Albertina morreu. Está tão fria'...".
Albertina, ao que parece, era reformada devido à doença. Maria do Carmo não soube explicar porque foi ela ali parar. Também sobre o seu próprio fado poucas explicações tem. Existe há 59 anos. Garante que tem família e a passagem por várias empregos. Um dos últimos foi no Jardim Zoológico, como tratadora de animais. "Não me renovaram o contrato", justificou assim a sua nova condição de indigente a viver numa casa arrendada pela Misericórdia de Lisboa. No bairro, as quatro residentes são conhecidas como "as senhoras da Santa Casa". Por Albertina não se jorrou nem uma lágrima. "Vivem juntas sem se escolherem e morrem sem se chorarem". Nem as filhas irão chorar, quem sabe. "Nem as mais nova a visitava. Ninguém a visitava", garantiu. Aquele quarto vai ser ocupado por alguém que se encontra em lista de espera.
Meia hora antes do alerta para Albertina, a PSP tinha ido à Praça D. João da Câmara ver o que se passava com um homem de 49 anos, alcoólico. Estava na rua e tombou para o lado, morto. "Foi morte súbita", segundo fonte policial.
Por volta das 13.00, a PSP de Massamã foi alertada para a morte de um homem de 61 anos. Vivia sozinho. As causas da morte serão reveladas com a autópsia, mas até lá fica ficam no ar as questões das solidões urbanas em expansão.
À mesma hora, na Avenida Estados Unidos da América, em Lisboa, morria um outro homem de 66 anos. Vivia com um amigo. As circunstâncias da morte estão ainda por apurar, mas trata-se de uma situação em que faltam os apoios e a família.
Durante a tarde de domingo a PSP foi ainda chamada para transportar o cadáver de um idoso encontrado numa área geográfica da competência da GNR. Não foi possível ontem apurar em tempo útil pormenores sobre este caso.
O dia acabaria, por volta das 22.00, de forma ainda mais trágica. Um idoso, cuja idade não foi possível apurar, escolheu o momento para o seu fim. Com uma corda.
Os idosos de Lisboa são sobretudo mulheres, vivem em casas da autarquia, numa situação de isolamento e com baixos níveis de escolaridade e rendimento, de acordo com o Plano Gerontológico Municipal, a que o DN teve acesso.
Este Plano, do pelouro da Acção Social, faz um diagnóstico inédito sobre a população idosa da capital e propõe medidas a concretizar entre 2009 e 2013.
Entre a população inquirida, 60 por cento são mulheres e 40 por cento homens, sendo o escalão etário mais representado o que compreende as idades entre 65 e 79 anos.
As mulheres estão em esmagadora maioria (69 por cento) entre os idosos com idades iguais ou superiores a 80 anos, o que é explicado pela sua maior esperança de vida. A maioria dos idosos vive em casas municipais (44 por cento), seguindo-se a habitação em casa arrendada (23 por cento), casa própria (21 por cento) e lares ou residências (11 por cento).
O acesso às habitações apresenta degraus em 73 por cento dos casos, sendo também expressiva a existência de barreiras arquitectónicas dentro das casas. Por isso, poucas vezes saem à rua.

6 comentários:

Ana Loura disse...

E tanta gente sem saber como aplicar o tempo que lhe sobra...



E tu, Maria, que deste tudo, que proporcionaste conforto, carinho à tua Mãe em dedicação exclusiva pensas que poderias ter dado ainda mais...dorme tranquila pois deste mesmo tudo

Abraço fraterno

ladoalado disse...

Nem há palavras... que andamos nós por aqui a fazer? somos tão poucos assim? somos tão fracos assim? que gota de água poderemos retirar a este oceano?

Ana Loura disse...

O estranho, Lilita, é que nem as igrejas estão cheias...quero eu dizer que poderia ser que nos ficássemos pela teoria, na não concretização da nossa Fé fora dos muros dos templos, pelo amor tíbeo e nem isso. Lembro-me tanto do Duarte nestas alturas e de todos aqueles que nas noites frias das cidades distribuem uma malga de caldo. Onde está a caridade/amor? Que tenho EU feito?

Víctor Sierra disse...

Lembro-me de que... talvez o melhor Natal que eu tive, foi aquele, passado em casa de meus pais (não sei se seria ainda solteiro ou já casado), em que à nossa mesa da ceia natalícia se sentou o «Patanino», convidado pela minha saudosa mãe... Era uma figura típica desta minha terra, que vivia da caridade dos amigos, e habitava num pobre casebre da vizinhança. Senti que nessa noite houve Natal!...
Abraço fraterno!

Maria-Portugal disse...

Foram à procura da companhia que os que se reclamam de humanos não lhes proporcionaram...Creio firmemente que encontraram a ternura,o carinho,o acompnhamento que lhes faltou na vida.

Ana Loura disse...

É, Maria, onde está a tão proclamada Misericórdia...cada vez estamos mais distantes, mais deshumanos, achamos que o pensarmos em, o estarmos mentalmente presentes basta...e o calor do abraço?? "...O dia virá do ENCONTRO e as suas palavras jamais serão o que fizestes? Mas sim onde deixaste semeado o Amor que te ofereci naquele dia em que ambos nos encontramos?"

Tão distante...

Que o Pai tenha Misericórdia de nós pois somos muito pouco misericordiosos, pouco compassivos.