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Irm.Silencio
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
UM CONTO DE NATAL
A manhã estava cinzenta e fria. A montanha, completamente coberta de neve, que, aliás, continuava a cair. Naquela casa isolada, no meio da serra, não havia alegria nem grande esperança. Apenas alguma resignação à situação de sofrimento que se instalara naquela família.
Na cama, o pai, doente, balbuciava algumas orações, e, por vezes, alguns gemidos. A mãe, sentada junto do leito, consolava o marido:
- Ó Zé, tem confiança, que alguém nos há-de valer. Deus há-de ajudar-nos… Deus há-de ajudar-nos…
Maria das Dores, era o nome daquela mulher. O José, seu marido, trabalhara enquanto pudera, nas minas de volfrâmio, e a dureza e insalubridade da sua profissão tinham-lhe provocado uma doença permanente. Os seus pulmões estavam muito arruinados. Já não podia pegar na enxada para tratar a pequena horta que rodeava a casita. Maria cuidava de uma pequena criação de galinhas e algumas ovelhas, e costumava descer ao povoado para vender ovos e hortaliça no mercado da aldeia. O pesado Inverno que se abatera na região viera trazer muitas dificuldades àquela gente, e as subsistências já escasseavam.
Manelito, o filho de 8 anos, criança ainda, era o enlevo de seus pais, e, às vezes, a sua tábua de salvação para descer o monte e buscar às lojas o que era preciso, quando a mãe o não podia fazer… Tinha, o casal, um filho mais velho, Moisés, que fizera há pouco vinte e dois anos, mas estava presentemente na tropa, e tinha sido mobilizado para prestar serviço nos Açores. Partira já havia meio ano. A guerra, que deflagrara no centro da Europa, poderia estender-se até àquelas ilhas, e o Governo decidira mandar tropas para lá, com intuitos de defesa contra uma eventual invasão dos alemães. Fazia falta, esse filho, pois já trabalhava, antes, na construção civil, e era a garantia do sustento da família. Sem ele, as coisas ficaram muito mais difíceis…
A casa, se abrigava da neve, era, contudo, muito fria, também. O lume ardia ainda, na lareira, perto da qual estava a cama de José. Mas a lenha começava, também a faltar. Os gravetos que restavam, poucos, não davam para muito tempo mais. Maria das Dores, olhava as chamas, sentada num banco corrido; acompanhava a panela de ferro, onde já borbulhava a água fervente para fazer um pouco de caldo, e ficava pensativa… Algumas lágrimas escorreram-lhe pela face, que logo disfarçadamente limpou, para que o Zé não visse… Na sua cabeça bailavam os pensamentos, as recordações de um tempo passado, mais feliz…, e a saudade tocava-lhe o coração.
De repente, lembrou-se que nesse dia, uma terça-feira, era 24 de Dezembro… A véspera de Natal! E uma espada de tristeza atravessou-lhe o coração. Nem era bom falar nisso ao Zé, e muito menos ao Manelito. Seria um dia igual aos outros… Não havia nada nem motivo para fazer festa… Nem podiam ir à missa do galo, como noutros tempos, na igrejinha mais próxima. Mas, uma lembrança lhe veio à mente:
- Também Jesus nasceu pobrezinho, num curral, fora da povoação, e sem qualquer conforto; ao menos, ali, ainda que com a doença do Zé, estavam abrigados, tinham uma casita, um lume na lareira, uma panela para cozinhar uma sopita, e alguns nacos de broa e de chouriço, que ainda iam sobrando.
Sorriu…
- Jesus nasceu com menos comodidades… - pensou, e sorriu de novo.
- Como Nossa Senhora se teria sentido nessa noite!... – continuou a magicar.
Estes pensamentos vieram trazer-lhe algum alento. Afinal, não havia motivo para desesperar…
- Deus, que era Deus, ao vir ao mundo, foi rejeitado e mandado para um curral! – disse baixinho.
Chamou o Manelito.
Pediu-lhe que fosse lá fora, ao quinteiro, ou à mata perto da casa, a ver se conseguia trazer mais uns pauzitos para atiçar o fogo na lareira.
Era um amor de miúdo, o filho de Maria das Dores. Já andava na escola, e aprendia muito bem. Com oito anos apenas, já sabia papaguear o nome das serras, dos rios; dizer quais eram as linhas de caminho de ferro, por onde passavam… E mesmo em matéria de religião (a senhora mestra, que lhe ensinava a doutrina gostava muito dele), como aprendeu rápido a rezar, e até já sabia de cor as “bem-aventuranças”!... Um dia, o senhor prior, lá da igreja, sugeriu que metessem o pequeno no seminário, na diocese, mas… Ainda era um bocado cedo para isso, e o menino fazia falta em casa. Com a doença do pai e a ausência do irmão… Ver-se-ia, mais tarde, quando ele acabasse a escola…
Então, o Manelito, logo que ouviu o mando de sua mãe, nem resmungou… Saiu de imediato, e nem se ficou pelo quinteiro. Foi logo direito à mata, para apanhar mais e melhor lenha, embora não pudesse carregar com muita. E de tal modo se entusiasmou, que começou a subir pela vereda…
Oh! Como era linda a neve, a cair das árvores… Algumas, pareciam candelabros, com a neve a pingar e a transformar-se em gelo pingente. As árvores da mata, cobertas de cristais, pareciam enfeitadas com estrelinhas brilhantes. Esqueceu-se de que tinha de voltar depressa para casa, e demorou-se a apreciar aquela beleza.
Então…
Então, aconteceu algo inesperado que o deslumbrou. Seriam umas três horas da tarde. O cinzento do céu ficou mais claro. A neve parou de cair. Houve uma aberta nas nuvens e chegou a divisar o azul do céu. Pensou mesmo que o sol tornaria a raiar. Tão contente ficou, que subiu mais um pouco pelo caminho…
Logo adiante – espanto seu!... – viu um menino muito bonito, quase nu… Aparentava uns três anitos. Descalcinho, a pisar a neve. Teve pena do menino. Correu logo para ele, abraçou-o, apertou-o contra o peito, como para o aquecer.
O interessante, é que foi ele próprio, Manelito, que sentiu calor… O menino estava quentinho, e este quentinho aqueceu o Manelito. Teve a impressão de que o calorzinho lhe chegava ao coração, que, agora, batia com mais pressa.
Atarantado com aquilo, o Manelito perguntou à criança:
- Que fazes aqui; quem te trouxe; como se chamam os teu pais?
Mais admirado ficou, quando o pequeno infante, sem dizer o seu nome, respondeu numa voz maviosa:
- Minha mãe é Maria, e o meu pai, José.
Logo o Manelito ripostou:
- Não, Maria e José, são, sim, os nomes dos meus… pais!
Não sabia o que fazer, o pequeno Manelito…, e ficou mais atrapalhado quando a criança acrescentou:
- É verdade, mas tu és de cá…; eu sou lá de cima!...
E desapareceu.
O tempo começou de novo a ficar cinzento. A neve, a cair de mansinho… Manelito, lembrou-se, então, de que Maria e José eram os pais do Menino Jesus!...
- Oh!... – lembrou-se – Hoje é véspera de Natal!...
Como se tinha esquecido disso?!...
Deitou a correr pela vereda abaixo… Nem se lembrou mais de levar o que sua mãe lhe tinha pedido: a lenha, para a lareira. Com a pressa, até caiu duas vezes pelo caminho, mas não esmurrou os joelhos, porque a neve servia de colchão. Ia louco de contentamento!
Mas não é tudo!...
Ao chegar já perto de casa, reparou que havia nela mais luz e movimento… Que se passava?!...
Correu. Entrou de rompante na sua casita, e gritou:
- Mãe!, mãe!...
Não conseguiu dizer mais nada. Ficou mudo diante do que via.
Na cozinha, estava tudo iluminado com um fogo de chama alta na lareira. A mãe, chorava de alegria, e abraçava um jovem, que ele logo conheceu ser o irmão… Moisés. O pai – espantoso!... – estava sentado na cama a rir e a dar graças a Deus :
- Obrigado, Senhor!... Obrigado, Senhor!... – quase gritava.
Pelos vistos, já não estava doente, ou, pelo menos, tão mal como dantes… De tal modo era o ambiente de satisfação e de festa, que nem davam pela sua presença. Mas no meio daquela “confusão” ainda conseguiu ouvir o irmão dizer:
- A guerra acabou! Viemos todos embora.
Então, o pequeno Manelito gritou com quanta força pôde colocar na sua voz:
- Mãe, pai, Moisés!... Amanhã vai ser NATAL!... JESUS VAI NASCER!...
E logo acrescentou:
- JÁ NASCEU!... EU VI-O!
Todos pararam a olhar para o pequeno, com uma enorme alegria transparente nos seus rostos…
… … …
E naquele dia… Naquele 24 de Dezembro de 1945, num pequeno e humilde casebre das faldas íngremes da Serra do Marão, do norte de Portugal, aconteceu…
… NATAL!
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8 comentários:
Peço desculpa de ter mudado a cor...mas gostava tanto de ler este bonito conto de Natal e na cor primitiva não conseguia....
Santo e feliz Natal...Recebamos a iemnsa Graça de Deus q tanto amou os homens que lhe deu o Filho e fez desse Amor o nosso pão de cada dia!
Ah !O conto trouxe mais uma lembrança...tb o meu Pai foi expedicionário aos Açores durante a guerra de 39-45...a minha Mãe,eu e o meu irmão fomos com ele e estivemos na ilha Terceira de 1940 a 1943.
Nas minhas memórias dos 4 anos ficaram os exercícios militares, nas ruas ,com sacos de terra empilhados e cavalos de frisa!
um Santo Natal Irmão VS e família...
Grato a Maria pelo retoque dado à «peça»... E pela sua apreciação.
Foi assim:
O "director" do «meu» jornal disse-me que precisava de um conto de natal para este mês. Lembrei-me de pegar no tema que contava a minha filha mais nova, a Graça, e comecei a escrever... Mais letra menos letra, saiu assim... Julgo que o Senhor, às vezes, escreve pelas nossas mãos. Aliás, Ele sempre nos acompanha! As ideias vão surgindo, e, no fim, chegamos a perguntar: «como foi que escrevi tudo isto, assim?!...»
Por estas nossas pequenas experiências, penso que não é difícil acreditar, afinal, que... o Espírito Santo é o autor da Sagrada Escritura (perdoem a comparação).
Ao andarilho...
Grato, Irmão, pelos seus votos e pela sua fiel amizade, que muito estimo e considero.
Santo e Feliz Natal para si, e para todos à sua volta, especialmente a sua família.
O verdadeiro Natal, hoje, é o Jesus que continua a nascer nas «palhinhas» do nosso coração... âs vezes muito atribulado, e apesar disso.
Abraço em Cristo!
Em tempo, para todos:
Enviei o meu postal de BF ao Fernando (lembram-se dele?) por mail. Respondeu-me com palavras muito amigas. Que grandeza de alma habita aquele coração! Como em Natanael... também nele "não há fingimento".
VS, para ti, e toda a tua Família, votos de Santo Natal.
Beijos
Lembro-me sim do Fernando, de vez em quando, visito o cantinho dele e de outros que têm andando silenciosos...
Paz e bem para si e todos os seus neste Santo Dia.
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