*** Sanctus...Sanctus...Sanctus *** E é importante apoiar-se numa comunidade ,mesmo que seja virtual,porque entre aqueles e aquelas que a compõem,encontram-se os que estão nos tempos em que o dia vai ganhando, pouco a pouco, à noite. Irm.Silencio

domingo, 20 de dezembro de 2009

Os filósofos e o Natal Frei Bento


Nesta época festiva prefere-se o sentimento ao conhecimento, mas com o risco da continuada vitória da ignorância satisfeita1. A celebração do Natal, como festa da família, apresentou-se, durante muito tempo, como um dos maiores êxitos da inculturação do cristianismo. Mesmo com a chamada "crise da família" - ou dos seus modelos -, ainda não perdeu essa nostalgia. Cresceu, por outro lado, a sensibilidade para a condição dolorosa dos "sem abrigo". Não se pode ignorar, todavia, que a situação daqueles que são apanhados entre fogos cruzados de diversas formações familiares pode acordar, em muitos, um irremediável sentimento de perda e solidão.

Com a vitória publicitária do Pai Natal sobre o Presépio, não falta quem procure desvalorizar, por razões opostas, a importância desta data, destacando que o 25 de Dezembro não é o dia do nascimento de Jesus Cristo. De facto não é, mas também não se trata de uma escolha arbitrária. É a substituição cultural e religiosa da festa pagã do nascimento anual do sol - segundo o calendário grego e romano - pela celebração do nascimento de Cristo, o verdadeiro sol da justiça e da graça, estrela da manhã de um mundo novo.

2.Nesta época de Natal, a revista Philosophie Magazine (Hors-série, Nov.-Dez. 2009) publica um número dedicado à "Bíblia dos filósofos", limitada ao Novo Testamento. Os nomes são muitos e sonantes, destacando-se Kant, Leibniz, Nietzsche, Freud, Engels, Rosa Luxemburg, Lacan, Sartre, Wittgenstein, Todorov, Nancy, Luc Ferry, A. Comte-Sponville, Badiou, René Girard, Agamben, Zizek, Hannah Arendt, etc. Embora seja um número especial, o espaço de cada um tinha de ser muito limitado. Pode dar a ideia de tagarelice filosófica que Wittgenstein detestava. Quem desejar uma informação mais especializada sobre o que foi a presença, negada ou afirmada, de Deus na filosofia do século XX poderá recorrer a outras fontes, tendo sempre em conta a diferença entre o Deus dos filósofos e o Deus de Jesus Cristo destacada por Blaise Pascal (1).

De qualquer modo, a revista chama a atenção para uma problemática que importa acolher e discutir no interior da fé cristã. É verdade que, nesta época festiva, prefere-se o sentimento ao conhecimento, mas com o risco da continuada vitória da ignorância satisfeita. Paul Ricoeur já tinha reagido a esta situação: "Acho completamente inacreditável que, no ensino público, a pretexto da laicidade de abstenção própria ao Estado, nunca seja verdadeiramente apresentada, em profundidade, a significação das grandes figuras do judaísmo e do cristianismo.

Chega-se ao seguinte paradoxo: as crianças conhecem muito melhor o panteão grego, romano ou egípcio do que os profetas de Israel ou as parábolas de Jesus; sabem tudo acerca dos amores de Zeus, conhecem as aventuras de Ulisses, mas nunca ouviram falar da Epístola aos Romanos nem dos Salmos. De facto, estes textos fundaram a nossa cultura muito mais do que a mitologia grega."

3.O Presépio - Deus nascendo humano num curral - não é uma narrativa antifilosófica nem antiteológica. Dará sempre muito que pensar, não só a judeus e a gregos, como em todos os lugares e culturas, onde se tornar conhecido. Os Evangelhos Apócrifos não esqueceram a ruralidade de um menino aquecido pelo bafo do boi e do burro e os Evangelhos Canónicos encheram-no de pastores, de magos e de música. Ali, nascia um menino judeu que não cabia no judaísmo nacionalista. O seu reino era o do advento do humano universal. Não foi por acaso que colocaram Jesus a nascer na periferia porque toda a sua vida adulta foi a de colocar, no centro da sociedade, todos os que dela eram expulsos por razões de ordem económica, cultural, moral e religiosa.

O Evangelho de Marcos começou com Jesus adulto, experimentado e interveniente. Era um homem sem infância. Mas uma pessoa sem infância não pode ser humana. Por isso, embora num género literário muito especial - mais real do que o puramente histórico -, os Evangelhos de Mateus e Lucas tiveram a boa ideia de destacar o nascimento e o crescimento dessa criança de Nazaré. Só os animais é que nascem quase prontos para a vida adulta. O ser humano, depois de nove meses no seio materno, precisa, durante anos, da mãe e do pai para aí chegar. A história da relação familiar pertence à essência do que é tornar-se humano. Não se poderia falar de Deus humanado - como rezavam antigas orações portuguesas - sem passar pelo estatuto de criança.

Como o Novo Testamento é feito de cartas e narrativas, muitos estranham que, depois, apareçam doutrinas, definições e teologias marcadas pela cultura grega. Julgam como traição a passagem da inteligência da fé cristã de Jerusalém para Atenas pelos caminhos do Império Romano e da sua técnica.

A simplicidade do Presépio não é simplória como a do Pai Natal. O cristianismo é polifónico. Nunca poderá viver, de forma saudável, numa única expressão. Sem a linguagem quente da imaginação simbólica através da religião e das suas criações artísticas, sem as interrogações das diversas correntes filosóficas e das investigações científicas, sem a depuração mística, o cristianismo atraiçoa a condição humana que deve assumir na sua complexidade e diversidade. Santo Natal!


(1) Giorgio Penzo - Rosino Gibellini (org.), Deus na Filosofia do Século XX, Loyola, São Paulo, 2000

IN PÚBLICO

7 comentários:

vdinis disse...

“Sem a linguagem quente da imaginação simbólica através da religião e das suas criações artísticas, sem as interrogações das diversas correntes filosóficas e das investigações científicas, sem a depuração mística, o cristianismo atraiçoa a condição humana que deve assumir na sua complexidade e diversidade.”

Pois infelizmente, é exactamente esse o maior entrave ao caminho espiritual… não ter os pés assentes no chão da realidade do Evangelho e teimarmos em caminhar apenas na imaginação que alimenta sonhos que são apenas desejos muito pessoais das nossas ideias por vezes absurdas em relação àquilo que se refere ao Espiritual…

"Deus é Espírito, e importa que os que o adoram, o adorem em espírito e verdade” João 4:24…. Uma verdade que não seja feita de imaginação nem algo fabricado nos laboratórios da mente humana… por isso, tantas vezes a “religião” é acusada (e com carradas de razão confesso), de alienar mais do que aproximar de Deus…!

Bom, mas isso daria para uma longa partilha sobre o tema, talvez um dia quem sabe… bem estamos a precisar de desmontar-desintoxicar o coração impregnado de místicas saídas e baús com espírito da sacristia…!

Um Santo Natal a todos…

vdinis disse...

por isso e mais, discordo plenamente do que acima foi transcrito do Frei bento... acho até absurda a ideia no todo.. mas respeito claro.. cada um navega na barca espiritual que quer...

há muito que venho sentido o Frei a mudar do rumo da escrita que tanto gostava de ler nele.. lamento, mas parece-me que Frei Bento é mais um que foi absorvido pela infernália da máquina teológica...risos

vdinis disse...

quando falo da transcrição refiro-me claro só a este parágrafo já acima referido:

“Sem a linguagem quente da imaginação simbólica através da religião e das suas criações artísticas, sem as interrogações das diversas correntes filosóficas e das investigações científicas, sem a depuração mística, o cristianismo atraiçoa a condição humana que deve assumir na sua complexidade e diversidade.”

não em todo o texto de Frei Bento claro...embora tb ali encontre "coisas" menos claras do essencial na Fé... mas este espaço é reduzido para aqui falar sobre o assunto...

Maria-Portugal disse...

Sim,mas se não houver a ternura,a poesia,o sonho ficam os adoradores secos e duros como carapaus de corrida.

Os filmes de Ingmar Bergam mostram bem esses severos puritanos duros e frios,demasiadamente precisos e concisos...

Maria-Portugal disse...

e acrescento
em meu pobre entender para trabalhar no terreno ,o espírito tem que subir às alturas como Jesus o fez...o mandamento do amor sempre junta as duas vertentes.

Outra coisa são as aventuras solitárias q apenas frequentam os espaços solitários esquecendo q o mundo foi destinado a ser fermentado por quem crê.

vdinis disse...

Sim claro, aqueles que fazem caminho e mesmo os que não o fazem, são gente… humana, e isso quer dizer que qualquer “relação-caminho” com o Espiritual é feito no concreto da carne e do sentimento… mas que o façam sempre com os pés bem no chão da vida e do Evangelho, senão acontecem esses dois abismos extremados… ou rostos da alma hirtos, os tais “carapaus”..risos, ou então também o folclore que engendra mil e umas cores para vogar a vida num arco-íris da fantasia… e esses que assim vogam, jamais atingirão a idade adulta da Fé… tornam-se eternamente infantis, não digo crianças, quem dera, isso já seria muito bom, mas infelizmente serão seres infantilizados…

… mas sim, nunca matar o sonho, desde que ele seja caminho para o concreto do bem, do amor nos outros e em nós, jamais para alimentar egoísmos e narcisismos da alma de algum que se julga dono dos céus e da eternidade…!

Maria disse...

bravo...assim SIM! rs