*** Sanctus...Sanctus...Sanctus *** E é importante apoiar-se numa comunidade ,mesmo que seja virtual,porque entre aqueles e aquelas que a compõem,encontram-se os que estão nos tempos em que o dia vai ganhando, pouco a pouco, à noite. Irm.Silencio

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal na poesia portuguesa


Um olhar sobre oito séculos de literatura pela pena de José Tolentino Mendonça

Há mais de oito séculos que o Natal se celebra na poesia portuguesa. As belíssimas composições de Afonso X, do Mestre André Dias e do maior teólogo da nossa literatura que é Gil Vicente (bastaria, para qualquer natal futuro, o seu «Breve sumário da História de Deus»:

«Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.
Adorai, desertos
e serras floridas, o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas,
louvai nas alturas
o Deus das criaturas…»)

Representam uma espécie de pórtico para uma viagem que, em cada época, encontrou os seus cantores. No século XVI, há um trecho anónimo, talvez cantado numas dessas romarias como ainda hoje se vêem

«Non tendes cama bom Jesus não
non tendes cama senão no chão»,

Mas também sonetos de Camões «Dos Céus à Terra desce a mor Beleza» e de Frei Agostinho da Cruz.

Ao século XVII bastariam os vilancicos de Sóror Violante do Céu

«Todos dizem, meu Menino,
Que vindes libertar almas,
Mas eu digo, vida minha,
Que vindes a cativá-las
Porque é tal a formosura…»,

Como ao século XVIII, do Abade de Jazente, de Correia Garção e outros, bastaria a composição piedosa do satírico Bocage, cotejando com elegância o texto profético de Isaías

«A Virgem será mãe; vós dareis flores,
Brenhas intonsas, em remotos dias;
Porás fim, torva guerra, a teus horrores».

O século XIX é de Garrett, com um poema delirante e “incorrecto”, onde faz valer o natal folgado e guloso da sua «católica Lisboa» sobre o «natal sem graça» dos protestantes londrinos. Mas, a seu lado, Feliciano de Castilho, canta «O Natal do pobrezinho» e João de Lemos e João de Deus descrevem sobretudo a experiência mística da contemplação. O século XX desdobra, seculariza, interroga, e, por fim, talvez adense o escondido significado do Mistério da Encarnação de Deus. Há o Natal devoto de Gomes Leal; há o Natal distanciado de Pessoa (o seu grande poema de natal é evidentemente o Poema VIII de O Guardador de rebanhos, mas isso dava outra conversa); o Natal dilacerado pela procura de Deus em José Régio

«Distância Transcendente,
Chega-te, uma vez mais,
Tão perto que te aqueças, como a gente,
No bafo dos obscuros animais»

E em Torga; o evangélico Natal de Sophia e de Nemésio (como esquecer aquele «Natal chique», onde «Só [um] pobre me pareceu Cristo»?); o Natal asperamente profético de Jorge de Sena («Natal de quê? De quem?/ Daqueles que o não têm?») ou de David Mourão Ferreira

«Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada».

Declinações diferentes de um único Natal.

José Tolentino Mendonça, Director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (www.snpcultura.org)

in Ecclesia


6 comentários:

alma rebelde disse...

E a poesia continua...

Que importa? do teu seio a noite que amedronta,
Para mim não é mais do que o refluxo da Vida,
Noite da noite,donde esplêndida desponta
a aurora espiritual da Terra Prometida.

A Alma volta à Luz...

E pela Tua mão,feito um rasgão na treva,
Que a Alma se liberta,e de esplendor vestida,
-Borboleta celeste,ébria de Deus-se eleva
Para a Luz imortal,Luz do Amor,Luz da Vida!

in António Feijó(Poesia e Teologia de poetas de língua Portuguesa)

Santo dia a todos com Jesus aconchegado ao coração...

vdinis disse...

é pena, o Natal ser tão poético e tão pouco profético nos dias de hoje..

se vida fosse uma poesia, se ela fosse mesmo..mas... só se for a poesia de um romance dos Miseráveis de Victor Hugo...

Ana Loura disse...

Natal é acima de tudo a ESPERANÇA e nós fazemos parte dessa esperança a que fomos todos chamados pelo facto que hoje celebramos, o nascimento dO Menino e a ESPERANÇA só pode ser alegre pois esta encerra certezas de fraternidade e Paz.

Sejamos Mensageiros de alegria, Paz e Esperança, corram, também, nossos passos velozes.

Santo e feliz Natal

andarilho disse...

…sim Ana, como é tão bom viajar no arco-íris da fantasia, em vez de pisarmos o chão da realidade..andamos todos anestesiados... e é seguir em frente mesmo sabendo isso... parecemos todos como aqueles rebanhos que se aproximam de um rio na selva com sede, mas mesmo sabendo que está infestado de crocodilos, mesmo assim vão beber dessa água... viva a poesia que mata a fome e sede de tantos..viva… comamos e bebamos que amanhã morreremos…

Por essas e por outras, cada vez mais parecemos com tudo aquilo que sempre rejeitamos nos caminhos da religião…! E estes blogs, parecem-se muito com esses guetos da fantasia… por mim, santa liberdade dos que assim caminham, mas não contem comigo…

ladoalado disse...

A poesia tal, como a música, a pintura ou outra expressão da sensibilidade humana,não é forçosamente sinal de que caminhamos no arco-íris. Pode coexistir com os pés bem assentes na Terra e ajuda muitas vezes a que até nem descolem dela. A vida não é só poesia, mas também é poesia e muito mal seria se só vissemos desgraças no Mundo e buracos negros no céu. Aí sim, seriamos de facto miseráveis. Mas enquanto sonharmos com um mundo melhor, enquanto tivermos ESPERANÇA de que virá a nós o reino do Pai, como tanto lhe pedimos, teremos alento para agir no dia-a-dia fazendo a Sua vontade para que esse dia se apresse. Jesus é a luz que brilha nas trevas - uma frase poética de João - pena será que as trevas ainda tardem em compreendê-la. Aleluia! Cantemos com corações transbordantes de Alegria!

vdinis disse...

É claro que gosto imenso da poesia, de escrever, de ler, de escutar… ela faz parte da minha vida também… felizmente ainda não me vesti de alguma rigidez tipo carapau seco espiritual ou humano…

… o que quis dizer apenas é que não desviemos a atenção e o rumo do verdadeiro combate que temos que travar…

… claro que vivendo em tudo e com tudo, em todos e com todos, mas não desviar nem anestesiar as nossas vidas, como quem espera que o milagre aconteça…

…quando descobriremos e perceberemos que ele está em nós e nas nossas vidas, se formos parte dele, não como quem está à parte esperando que aconteça só na Promessa…

… somos co-criadores e não apenas “agentes” passivos do milagre… da mudança…

… já é tempo de assumir e não deixar apenas aos outros o “trabalho” que é preciso fazer na seara… ainda por cima sabendo que os que tem mais responsabilidades andam a passear-se pelas ruas nas vaidades das vestes longas e presunções das certezas meramente humanas…

Um ano mais humano é o que apenas desejo e peço a Deus para mim e para todos…