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domingo, 7 de junho de 2009

Frei Bento e a Trindade SS



Trindade: mística de olhos abertos e mística de olhos fechados

Frei Bento Domingues O.P. -

20090607


A mística que não tiver os olhos abertos e não praticar a compaixão activa é uma mistificação1.

Hoje, a Igreja Católica celebra a SS. Trindade. Este mistério inspirou, a um dos nomes maiores da música do século XX, Olivier Messiaen, uma nova e lúdica linguagem, introduzida no seu monumental ciclo para órgão, Méditations sur le Mystère de la Sainte Trinité.


Este entusiasmo faltou claramente a um grande filósofo da Modernidade, I. Kant (1724-1804): "Da doutrina da Trindade não se tira, definitivamente, nada de importante para a prática, mesmo quando se pretendia entendê-la; muito menos ainda quando alguém se convence de que supera absolutamente todos os nossos conceitos. Ao aluno não custa nada aceitar que na divindade adoramos três ou dez pessoas. Para ele, tanto faz uma coisa como outra, porque não tem ideia nenhuma sobre um Deus em várias pessoas (hipóstases). Mais ainda, porque desta distinção não deriva absolutamente nenhuma pauta para a sua conduta."

Quem não gostou nada desta insensibilidade simbólica foi o brasileiro Leonardo Boff. Recordou, de forma esquemática, que o monoteísmo a-trinitário serviu para justificar o totalitarismo, a concentração do poder numa única pessoa, quer política quer religiosa. Já nos primeiros séculos do cristianismo, alguns pensadores vincaram certas e perigosas correspondências: assim como Israel é um único povo mediante a fé num único Deus, também a humanidade dividida, agora, em muitas nações e línguas, voltará a ser uma única humanidade sob o império de um único senhor político; como há um único Senhor no céu, deve haver um único senhor na terra; como existe um único Deus, também deve imperar uma única realeza e uma única monarquia.

Justificava-se, desta maneira, o absolutismo dos imperadores cristãos.
Nos tempos modernos, acerca do absolutismo dos reis, alguns ideólogos argumentavam de modo semelhante: o rei, com poder absoluto, é a imagem do Deus absoluto e, assim como Deus está acima de todas as leis, também o príncipe. Não é a verdade e a justiça que fundam as leis, mas o arbítrio do soberano. Este monoteísmo a-trinitário teve, também, consequências na concepção da unidade na Igreja: assim como no céu há uma só cabeça, também na terra deve haver uma só que a represente, o Papa. Já Inácio de Antioquia (m. 104) afirmara: um único Deus, um único Cristo, um único bispo, uma única comunidade local. Como mostrou Yves Congar, épocas houve em que o Papa era considerado o Deus visível sobre a terra, o Deus terrenus.

Esta concepção originou um modelo piramidal de Igreja: em cima, a hierarquia e, em baixo, os leigos. Não é esse o caminho de uma comunidade de irmãos e irmãs, a única que interessa a L. Boff, tanto na Igreja como na sociedade (1).


2. A preocupação deste teólogo não se centrava, porém, numa revisão do passado. O que lhe interessava era o estímulo trinitário para a Teologia da Libertação da América Latina. Quando se diz que o ser humano foi "criado" à imagem de Deus, é preciso perguntar: mas qual Deus? Como se disse, mesmo no mundo cristão, a utilização do monoteísmo - uma revolução religiosa atribuída a Moisés - pode ser a justificação do pior. No Pai Nosso, também rezamos: assim na terra como no céu. Se queremos mudar a terra, teremos de alterar o Céu, nome divino.

Se "é na divindade que vivemos, existimos e nos movemos" (Act 17, 28), é preciso que ela não seja a justificação deste "vale de lágrimas". L. Boff, para rezar o Pai Nosso com os oprimidos que lutam pela libertação e por novas relações sociais, tem de mostrar a eficácia, no seio da história humana, de uma nova leitura do coração da fé cristã: "A comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo significa o protótipo da comunidade humana sonhada pelos que querem melhorar a sociedade e, assim, construí-la para que seja à imagem e semelhança da Trindade."
A categoria básica desta leitura é a "relação".

Como alguém disse, em Deus, de modo absolutamente transcendente, as pessoas são todas iguais, todas diferentes, todas activas sem subordinação, em relação recíproca de comunhão. É esta, aliás, a utopia implícita que alimenta a construção de uma verdadeira democracia, a nível local e mundial.
Se Deus é assim, se fomos criados à sua imagem, se queremos a terra como no céu, isto é, um mundo de irmãos de muitas famílias, a teologia trinitária pode ser uma fonte inesgotável para uma teologia inovadora.

3.Dizer isto é importante. Não esqueçamos, porém, que há teólogos, aparentemente muito místicos, que descrevem minuciosamente o que se passa no mais íntimo da vida trinitária - onde terão ido colher essa ciência? -, indiferentes ou de olhos fechados para o que se passa na terra. A mística que não tiver os olhos abertos e não praticar a compaixão activa é uma mistificação. Por outro lado, a simbólica cristã, a simbólica trinitária - na qual, o Espírito se diz, em hebraico, no feminino (ruah) -, não se pode esgotar numa fonte de inspiração social, seja ela qual for. Sem a vigilância da chamada Teologia Negativa, que purifica cada afirmação com uma negação provocadora, podemos cair facilmente numa transposição unívoca do céu para a terra e da terra para o céu: a reprodução insípida do mesmo. (1)

Leonardo Boff, A Trindade e a Sociedade, Petrópolis, Vozes, 1987 3. Ver também A Santíssima Trindade é a melhor comunidade, Vozes, 1988.

in Público

5 comentários:

@uror@ disse...

Tenho-me debruçado sobre este mistério da Trindade,tenho lido diversos autores.
Mas aquele que mais me tocou foi o livro de Maria de La Trinidad no livro (Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo)
*****
O Verbo vive em êxtase de amor frente ao Pai.Consciência viva da minha comunhão com o Pai.
O Cordeiro imolado vive abandonado,oferecido.
Incidências:nada pedir,nada desejar.Apenas oferecer-me.Que o Pai me dê e me faça o que entenda,como entenda.
Entrega confiante.
Deixar-me amar, que Deus me ame sempre mais,mais,mais.
Solicitação forte-O Espírito Santo,Pai,Verbo,pensar muito nisto-um só mistério.
Desejo de conhecer,por dentro,o Espírito Santo.
Acordei muito cedo."Mete-te cada vez mais em Mim e eu em Ti",com incidência."Sou tua,Tu és meu".
O Pai gera o Verbo como nos seres mais simples unicelulares,que por uma simples divisão são dois iguais,perpetuando-se por uma espécie de geração em que eles são "eternos" pois nada deles se perde,sem pai nem mãe.
O Pai gera o verbo,substancial e directamente,sem pai nem mãe,em gozo e amor imensos(Espírito Santo)
"Hoje vou fazer-te compreender o Espírito Santo .Agora já estás mais forte no amor para poderes aguentar".
Maria de La Trinidad

Maria-Portugal disse...

uma simples leiga q mergulha profundo tal como Isabel da Trindade nesse Deus em três expressões de comunhão.

Comprei esse livro da Maria de la Trinidad há uns anos no Rodizio e tb foi muito importante para mim juntmente com as reflexões da carmelita Isabel.

ladoalado disse...

Pois eu devo ser muito burra...continuo como aquele menino que Agostinho encontou, na praia, a tentar meter o mar numa cova na areia... Para mim Deus-Trindade continua um Mistério e esta reflexão nada mais me revela do que um "entendimento" pessoal, onde encontro reflectido mais o sujeito da reflexão do que a natureza de Deus.
E, assim, a minha poça continuará vazia, por muita água que lá ponha, até ao esperado dia do Encontro...

Maria-Portugal disse...

Nada tem a ver com a burrice.

O mistério sempre ultrapassa a nossa inteligência.

Mas a experiência do Deus Uno e Trino é a base do nosso existir.

Ana Loura disse...

Deus não se explica, Deus procura-se, Deus encontra-se no Universo que Ele criou, no irmão sofredor, na alegria das coisas pequenas. Deus ama-se