Tirar férias
A Palavra de Deus
«12No dia seguinte, as multidões que tinham chegado para a Festa, ao ouvirem que Jesus vinha a Jerusalém, 13pegaram em ramos de palmeiras e saíram-lhe ao encontro, clamando: «Hossana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel!» 14E Jesus encontrou um jumentinho e montou nele, conforme está escrito: 15Não temas, Filha de Sião, olha o teu Rei que chega sentado na cria de uma jumenta.
16Ao princípio, os seus discípulos não compreenderam isto; quando se manifestou a glória de Jesus, é que se lembraram que estas coisas estavam escritas acerca dele; e foi isso precisamente o que lhe fizeram.» Evangelho segundo S. João. 12, 12-16 (Bíblia dos Capuchinhos)
A meditação
Alguns dias antes da Páscoa…aí estamos. O caminho percorrido desde Quarta-feira de cinzas parece-nos longo e rico em etapas, ou pelo contrário insignificante, quase nulo. Pouco importa doravante; o momento decisivo está à nossa frente. É preciso depor tudo tanto o que adquirimos e os nossos benefícios como as nossas insatisfações, fazer férias de toda a avaliação ou justificação de nós próprios, afim de seguirmos Jesus na sua Páscoa. Para entrar com ele na sua paixão, pelo menos contemplá-lo- nem que seja à distância-, deixemo-nos levar pelo ritmo da semana santa.
Hoje, domingo de Ramos, a liturgia intima-nos a tomar parte no acolhimento de Cristo: a tomarmos uma palma no adro das igrejas, entrarmos em procissão em direcção ao altar, juntarmos as nossas vozes à das multidões de Jerusalém que aclamavam o Enviado de Deus. Deixarmo-nos ganhar, se não pelo entusiasmo, pelo menos pela esperança dos séculos. Tal é a nossa tarefa presente. Mas, já o sabemos, o próprio motivo da sua aclamação tornar-se-á para Cristo, na sua Paixão, o motivo do interrogatório, dos seus ultrajes, do seu espancamento e da sua condenação à morte.
Porquê um tal entusiasmo seguido de um tal alvoroço, à volta da realeza de Cristo? Um regresso à história bíblica é aqui esclarecedora: uma vez donos da terra prometida, o povo de Israel quis dar-se um rei à sua medida. Mas Gedeão, o seu chefe e juiz da altura, recusou a oferta para relembrar que o único e verdadeiro rei de Israel é o Senhor Deus e mais nenhum outro. Deus elegeu e criou este pequeno povo saído de quase nada, depois salvou-o da servidão no Egipto e guiou-o ao longo da travessia do deserto. Mais tarde, a realeza conferida a Saul, depois ao Rei David e à sua descendência, não é tanto um sucesso mas uma concessão divina à reivindicação de um povo que quer simplesmente gerir-se como as outras nações e emancipar-se da soberania do Senhor.
Nos Ramos, a multidão reconhece em Jesus «O que vem em nome do Senhor», o seu Rei, o Messias prometido, o filho de David segundo a carne. Espantosa e preciosa clarividência. Ridicularizado na sua Paixão, reduzido quase a nada, este mesmo Jesus deixa-se no entanto designar de novo como rei pela ironia dos homens. Porque ele é rei na sua humilhação mesmo, mas de um reino desconhecido deste mundo. É a realeza do próprio Deus; precisamente aquela da qual o povo queria libertar-se. Ele não é um guerreiro, ele não exalta o nacionalismo, ele não apoia os padres, ele é rei de uma forma inédita: doce e humilde, montado num pequeno jumento. Ele é o cavaleiro anódino dos tempos de paz, dos caminhos onde tomamos o nosso tempo.
Deus demonstra nesta semana Santa que não cessou de acompanhar o seu povo no caminho dos grandes desvios e dos afastamentos. Mesmo que fosse uma concessão ao pecado do povo, ele mesmo tomou emprestado da linhagem de David para nela fazer nascer o seu próprio Filho. Não inventou uma salvação dada noutro caminho senão no seguido pelo povo, então mesmo aquele que foi tantas vezes um caminho sem Deus ou contra Ele. O carácter caótico da genealogia de Jesus ilustra-o de forma aberta: na eleição dos Padres sucediam-se algumas alianças irregulares e não menos abençoadas, no exílio, no anonimato das gerações seguintes, e enfim, a diferença decisiva entre a linhagem de José e Maria. No final desta cadeia onde se entrecruzam a filiação, a graça e o pecado, Deus intervém para tudo renovar, não sem assumir tudo o que precede.
Aprendemos a passar-nos da monarquia absoluta e foi bom. Foi-nos prometido o princípio da soberania dos povos. Mas seremos livres dos caprichos colectivos, das exaltações nacionalistas, das veleidades messiânicas, das projecções idólatras?
O Evangelho oferece-nos a possibilidade de converter as nossas aspirações ilusórias para acolher nesta semana o único salvador que vale a pena, o Senhor que vem.
Hoje, é nos nossos caminhos cruzados, nos nossos caminhos de afastamento e de desvio que Cristo se vem juntar a nós. No dia de Páscoa, então mesmo talvez, tal como os seus discípulos, nós seremos ainda um pouco incrédulos, errantes nos caminhos que se afastam de Jerusalém…Ele saberá encontrar-nos.


Sem comentários:
Enviar um comentário