Os hábeis pedem sacrifícios alheios, os santos vencem intrigas e invejas para permanecerem fiéis aos princípios.
Vai ser canonizada a 26 de Abril, em Roma, uma das figuras maiores da história nacional, mal estudada e pouco compreendida. Assim já o pensava D. António Ferreira Gomes, em Março de 1974. Apesar do seu contributo para um novo olhar sobre Nuno Álvares Pereira, através da peça de teatro ‘Herói e Santo’, publicada em 1931 e acabada de reeditar pela Fundação Spes e pela Alêtheia Editores, os historiadores não avançaram muito na interpretação desta personagem modelar, multifacetada e complexa.
Como tantos lusos, continua a ser um português desaproveitado e talvez distorcido. Poucos se dão conta como São Nuno representa a nova sociedade precursora da Renascença. As suas opções revelam uma luta de princípios entre a velha e a nova sociedade, em tempo de transição. A velha estava como que representada por João das Regras, segundo a visão antoniana. Estava ao lado de quem ignorava o direito da consciência e da honra e por isso se tornava um direito escravo e instrumento do poder. O Santo Condestável quer criar um povo de homens livres, com suficiência económica, e adere à revolução social da burguesia. Aparece como símbolo do futuro, de uma participação democrática de todos.
A ‘Crónica do Condestabre’ descreve Nuno de Santa Maria como pessoa reflexiva, prudente, judiciosa, avisada e conhecedora. Em todas as suas decisões, seja na guerra seja na paz, revelou capacidade para se questionar sobre o sentido profundo das coisas e entregar-se plenamente às soluções. Homem "de pouca e branda palavra", encontrou em tempos de profunda crise um caminho político possível para o Reino e, por razões políticas fortes, decide-se pelo claustro. São estas as palavras postas na boca do São Nuno: "Deu-me Deus a liberdade de me despir do mundo, sem me restarem culpas do seu andamento."
O Santo, agora reconhecido por Roma, responde ao embaixador espanhol, nos diálogos inventados por Ferreira Gomes, na sua obra de teatro, que "Portugal é de Portugal", isto é, não é de Castela, nem de D. João I. Esta frontalidade, sem a hipocrisia habilidosa, resiste à mentira e faz progredir a humanidade. Nuno de Santa Maria, despido de cálculos, optou pela loucura de viver, tanto no dom total e heróico de si como no silêncio próximo de Deus. Os hábeis pedem sacrifícios alheios, os santos vencem intrigas e invejas para permanecerem fiéis aos princípios.
Nesta hora, vem mesmo a calhar uma proposta de santidade tão alta. Sirva para Portugal conhecer os seus maiores, sem os reduzir à mediana mediocridade, própria de olhares menores.
in Correio da Manhã
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