
SÃO PAULO E AS MULHERES Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia
Nos casamentos, constato com satisfação que as noivas rejeitam como leitura da Missa um dos textos propostos, da Carta aos Efésios, atribuída a São Paulo.
Diz assim: "As mulheres submetam-se aos seus maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher. Como a Igreja se submete a Cristo, assim as mulheres, aos maridos, em tudo." Na Carta aos Colossenses, também se lê: "Esposas, sede submissas aos maridos, como convém no Senhor." E na Primeira Carta a Timóteo: "A mulher receba a instrução em silêncio, com toda a submissão. Não permito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem, mas que se mantenha em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva.
" Na Primeira Carta aos Coríntios: "As mulheres estejam caladas nas assembleias, porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a Lei, devem ser submissas." Aí estão os textos fundamentais a partir dos quais São Paulo foi julgado como misógino e responsável pela situação de submissão das mulheres na Igreja e na sociedade. No entanto, tornou-se hoje claro que este preconceito repressivo e negativo é injusto.
Quando comparamos a imagem que Paulo tem da mulher com a dos seus contemporâneos, concluímos mesmo, como escreve Stephen Tomkins, que Paulo é dos "escritores mais liberais da Antiguidade e que dificilmente merece uma crítica tão dura". Na Grécia e em Roma, as mulheres não eram consideradas pessoas, não tendo, portanto, direitos. "Calar é a grande honra de uma mulher." Aristóteles escreveu que "o homem é por natureza superior e a mulher, inferior; ele domina e ela é dominada". Os homens judeus agradeciam diariamente a Deus não os ter criado mulher, e o testemunho de uma mulher não era aceite em tribunal. Lê-se no livro bíblico de Ben Sira: "Menos dano te causará a malvadez de um homem do que a bondade de uma mulher."
São Paulo fez uma experiência avassaladora, que transformou, de raiz, a sua vida: Deus não abandonou à morte Jesus crucificado. Que vale um morto? Que vale um crucificado? Então, se Deus o ressuscitou, não foi pelas suas qualidades. Assim, Deus está do lado dos abandonados e excluídos e, portanto, todos valem diante dele. Paulo intuiu e experienciou a dignidade infinita do ser humano, seja quem for. Daí ter escrito esta palavra decisiva, na Carta aos Gálatas: "Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo."
E tirou as conclusões práticas. Formou comunidades cristãs carismáticas. Reuniam-se em casa de um cristão para celebrar a Eucaristia. Quem presidia era o dono ou dona da casa, de tal modo que nada impede pensar que, no princípio, mulheres presidiram à celebração eucarística. O facto de Paulo se dirigir também a mulheres casadas com não cristãos indica que as recebia na comunidade enquanto autónomas, como os homens, independentemente dos maridos.
No último capítulo da Carta aos Romanos, saúda 16 homens e 8 mulheres. Lá aparecem Febe, que "também é diaconisa na igreja de Cêncreas"; Priscila, "minha colaboradora"; Maria, "que tanto se afadigou por vós"; Trifena e Trifosa, "que se afadigam pelo Senhor"; "a minha querida Pérside, que tanto se afadigou pelo Senhor". Merece menção especial uma apóstola: Júnia, "tão notável entre os apóstolos".
Do confronto destes textos, conclui-se que Paulo não pode ser acusado de misoginia. O que se passa é que das 13 cartas que lhe são atribuídas, ele só é autor de 7: Primeira aos Tessalonicenses, 2 aos Coríntios, aos Filipenses, a Filémon, aos Gálatas, aos Romanos. As outras 6 - aos Colossenses, aos Efésios, Segunda aos Tessalonicenses, 2 a Timóteo, a Tito - são pseudopaulinas, isto é, dependem da "escola paulina", mas ele não é o seu autor.
Ora, os passos citados, exigindo a subordinação e o silêncio da mulher, pertencem às pseudopaulinas. Quanto ao passo da Primeira Carta aos Coríntios, aceita-se hoje que é uma interpolação posterior, pois só assim se percebe que antes refira "a mulher que reza e profetiza". O comportamento misógino e subordinado da mulher não se deve a Paulo, mas a outras lutas e influências.
in DN
3 comentários:
Dia da mulher? Prefiro dia da pessoa humana.
Que me perdoem os/as puristas .
Maria, este dia significa o que significam todos os outros dias, o do trabalhador, o da Liberdade, são acima de tudo datas históricas que se tornaram dias...e este pelo que sei lembra que as mulheres tiveram que lutar muito, braço dado com alguns homens para que lhes fosse reconhecida a dignidade de PESSOAS humanas. Faz hoje anos que foram queimadas vivas umas quantas trancadas por alguém numa fábrica qualquer. Não sou purista..
Dia da Liberdade,dia do trabalhador não distinguem,não separam.
Sei o que aconteceu...sim...mas tb houve homens torturados,descriminados,escravizados,mortos por não aceitarem a injustiça e não há dia do Homem.....
Assim continuo a eleger ,preferencialmente, o dia da pessoa humana que exalte a sua dignidade independentemente de ser homem ou mulher.
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