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quinta-feira, 12 de junho de 2008

A Fome no Mundo

«Dai-lhes vós de comer» (Mt 14, 16)

O problema da fome no mundo não é novo. Já no tempo de Jesus de Nazaré os seus discípulos enfrentaram o mesmo problema. Face às multidões que seguiam o Mestre, os mais preocupados e desesperados com o «déficit» alimentar aconselharam o Senhor:

- «Manda embora toda esta gente para ir às povoações comprar alimento».

Contudo, Jesus respondeu-lhes, tranquilo e confiante:

- «Não é preciso que vão; dai-lhes vós de comer».

Só depois, o Mestre da Galileia fez crescer e sobrar o que era pouco e parecia não chegar para todos.

Num precioso livrinho que li na minha juventude, e que conservo religiosamente, Vers l'homme, l'Abbé Pierre, o fundador do «Movimento de Emaús», e falecido apenas há pouco mais de um ano, que militou uma vida inteira a favor dos desfavorecidos da terra, relatava uma entrevista com o também célebre físico e matemático Einstein. Nessa conversa com o sábio, em casa deste, surgiu o tema da fome. Quando o padre Pierre lhe abordou a angústia que sentia pelo perigo atómico, que emergia das descobertas científicas do eminente sábio, este ripostou com um argumento extraordinário:

- Meu Padre, muitas pessoas andam actualmente preocupadas com o perigo atómico; muita gente sabe que existe aí uma imensa ameaça que requer a nossa atenção; mas existem duas outras ameaças que são infinitamente mais graves que o perigo atómico, mais iminentes, e das quais nos devemos ocupar em primeiro lugar e, mais ainda, porque estão ligadas uma à outra.

E o padre Pierre relata que Einstein lhe apontou o «perigo» da fome, dizendo:

- Antes de uma geração (estava-se na década de 50 do século passado), daqui a 10, ou 15 anos talvez, a humanidade no seu conjunto vai-se encontrar diante de situações de fome que ultrapassarão todas as que a antiguidade nos deixou em registo, com todas as violências inevitáveis: saques, desordens, revoluções. Não já revoluções criativas, mas revoluções devastadoras, nascidas da cólera do homem diante da ignomínia do destino que lhe reservaram».

E acrescentou:

- «Portanto, a solução não é recusar a vida ao nascimento de crianças» - como aqueles que defendem a limitação da natalidade, a qualquer custo e por qualquer meio, atribuindo a escassez de alimentos ao aumento incontrolado da população, especialmente nos países pobres.

Outro perigo que segundo Einstein se adivinhava ameaçador nos horizontes da humanidade, era o da supressão da liberdade pessoal, uma espécie de esmagamento das personalidades no meio da multidão. Por outras palavras, o pai da teoria da relatividade antevia, como ameaça maior do que o perigo nuclear, o fenómeno que actualmente identificamos sob a palavra «Globalização», que está a deixar em pânico muitos sectores da sociedade, tanto política como civil.

Ora, estas citações vêm a propósito da situação que estamos a atravessar no momento presente, e nos deixa apreensivos quanto ao futuro. A comunicação social produz um efeito multiplicador nos nossos receios, e esse efeito repercute-se no comportamento daqueles que poderiam e deveriam dar solução ao problema da fome no mundo. Por um lado, gera-se uma incapacidade política para encontrar as soluções mais justas e fiáveis; por outro, desenvolve-se e generaliza-se uma euforia defensiva nas populações, levando ao açambarcamento dos recursos, e, mesmo, à especulação por parte dos agentes económicos. Daí ao desespero e ao deflagrar da violência vai apenas um passo.

- «Il faut regarder l'univers tout entier. Une meilleure répartition de la production mondiale est possible» - dizia l'Abbé Pierre. Na verdade, é preciso olhar o mundo como um todo, e proceder a uma equitativa, justa, distribuição dos recursos. Não à força, pela violência, mas por políticas adequadas, sensatas, justas, em que o interesse da grei se sobreponha aos objectivos do lucro.

Por sua vez, o próprio Einstein apontava como solução a necessidade de se observar convenientemente o mundo e de se aplicar, nele, energias, como a energia atómica, para a produção de alimentos. O mundo tem capacidade de fornecer alimento a todos os seus habitantes. O problema está na sua competente governação, e na eliminação dos egoísmos, tanto individuais, como dos Estados – porque, nestes, o princípio do interesse próprio sobrepõe-se, nas relações internacionais, às necessidades alheias.

É certo que, de vez em quando, são noticiadas ajudas do Ocidente aos povos famintos do Terceiro Mundo, mas, normalmente, essas ajudas não chegam aos famintos... Falta-lhes alma, à partida e à chegada, e as dádivas perdem-se, esfumam-se por caminhos ínvios e corruptos, pelos corredores do poder, e o pobre continua de boca aberta, a clamar no vazio. Pior ainda, há zonas em todo o globo, em que os interesses económicos e financeiros exploram os recursos locais de um modo desumano e escravizante, sugando todo o lucro possível, em detrimento da honra, da saúde e da vida das populações indígenas, num neoclonialismo selvagem e atroz, criminoso - um autêntico inferno!

Diz o papa, no seu recente livro "Jesus de Nazaré", a pag. 64:

«As ajudas do Ocidente aos países em vias de desenvolvimento, baseadas em princípios puramente técnico-materiais que não só deixaram Deus de fora mas afastaram também os homens d'Ele com o orgulho da sua petulância, fizeram do Terceiro Mundo o "Terceiro Mundo" no sentido que hoje se entende. Tais ajudas puseram de lado as estruturas religiosas, morais e sociais existentes e instauraram no vazio a sua mentalidade tecnológica. Pensavam poder transformar as pedras em pão, mas deram pedras e vez de pão». É que, antecipa Bento XVI, «nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4).

O problema da fome no mundo é um problema nosso, de cada um, um problema individual e colectivo. Quando falamos de fome no mundo, não podemos abstrair-nos da fome que grassa a volta da nossa porta. Em 1974, na Conferência Mundial sobre a Alimentação, das Nações Unidas, ficou estabelecido que “todo o homem, mulher, ou criança, tem o direito inalienável de ser livre da fome e da desnutrição...”. Mas esse direito só se torna efectivo e realizado quando cada homem ou mulher sentir no seu peito, no seu coração, diante dos desfavorecidos da vida, o dever de minimizar, de suavizar, a fome alheia.

A ordem do Senhor Jesus aos seus discípulos: «Dai-lhes vós de comer!» continua a ecoar pelo mundo e por todos os tempos - hoje! Se fizermos a nossa parte, Ele não deixará, logo a seguir, de fazer a sua. É que sem amor prévio que a suscite, não haverá qualquer multiplicação de pães que apague a fome... do mundo.

2 comentários:

Maria-Portugal disse...

não será o amor de Deus tb gratuito?

Maria-Portugal disse...

Como alterar que essa arma de destruição maciça,que é a fome, fique dependente de governos para quem o poder nada tem de serviço ?.