Um rosto
ainda de criança no seu corpo forte de jovem adulto… aí uns 22 anos se não
estou em erro… (nunca soube bem ao certo
a sua idade…olha que coisa… só agora dou conta disso…!)… um coração tremendamente
genuíno… do mais profundo como nunca havia presenciado num jovem até hoje….
Fiz caminhos
muito lindos mas ao mesmo tempo muito duros com ele nas inúmeras visitas que me
fazia na Missão… por vezes aparecia espontaneamente com aquele olhar que sempre
fugia do meu olhar… só depois de alguns meses os nossos olhares se encontraram…
foi um dia terrível aquele… mas libertador para ambos os campos onde travávamos
cada um a nossa própria batalha interior… parecia algo...como se fossemos “adversários” mas ao
mesmo tempo dependíamos um do outro para “sobreviver”… difícil explicar esta
experiência em palavras…!
Era como…
deixa ver se consigo explicar…. ele precisava da minha ajuda… eu queria
ajudar.. e não sabia como… eu também precisava dele ali porque me desafiava
todas as seguranças e Fé que pensava possuir… no fundo eramos dois eternos sobreviventes que andam a vaguear
depois de uma batalha no meio dos destroços espalhados pelos
campos da vida…
… todos ali já
haviam “desistido” dele… “era um caso perdido”… diziam… aparecia quase sempre “encharcado”
em cocktails de “Antipsicóticos”…[i]
Às vezes chegava
a estar mais de duas horas no espaço onde eu acolhia, ali sentado mesmo à minha
frente… com aquele olhar no vazio… agindo como se fosse autista… (quando falava comigo mantinha sempre essa
postura embora não o fosse…)… fruto de acontecimentos terríveis na família e que na sua
fragilidade humana aliada a uma carga de medicamentos receitados de uma forma
tipo a despachar, acabaram por criar habituação e dependências…fazendo dele um
"zombie"…!
Mas naquele
dia… precisamente um dia que tinha sido também muito pesado para mim… tinha
acompanhado uma criança de 2 anos à “casa do Pai”… vinha arrasado e eu não
tinha mesmo vontade de encontrar ninguém…
…e ali
estava ele à minha espera… e falou… e falou… mas sempre com aquele olhar
no vazio… e eu desesperado porque também estava…
Não sei o que
aconteceu… se do cansaço… se do desespero… só sei que a determinado momento
levantei-me e sacudi-lhes os ombros com uma determinação (confesso que aqui
passei-me um pouco mea culpa... abanei forte.....mas ele nem reagia. )…dizendo-lhe:
Olha para
mim… olha para mim por favor quando falas…
…e aconteceu…
finalmente encontrei-lhe o brilho dos olhos… atordoado com a minha reação ainda
tentou desviar mas aos poucos lá foi olhando… fixando o seu rosto no meu… e
aquilo parecia uma torneira que se rompeu… jorrava e jorrava de palavras….
Agora quem ali
“virou” zombie fui eu… não sei quanto
tempo estive assim… tipo estático… ele falou … falou e eu olhava … e o meu
olhar estava em dois lados… no seu rosto… e ao mesmo tempo a viajar pelo
coração daquele filho tão amado por Deus….
Outras visitas aconteceram… nunca mais foi o mesmo depois
daquele dia… aos poucos já ajudava também no acolhimento… e noutras tarefas… um
novo ser… é claro que foi um processo lento… mas o Pai colocou-nos uma alma boa
no caminho dos dois… (outra “pomba”) que sabia amar de verdade… um coração
paciente até ao infinito… foi um tesouro… ocupado como estava não iria ter
muito “tempo” e ele precisava agora de alguém a tempo inteiro para caminhar
nesse processo de regeneração da mente e da alma que havia começado…
Alguns Domingos, quando nos encontrávamos na Eucaristia
aquilo era cá um abraço… às vezes até magoava (eu bem me encolhia…risos..) mas
aquele rapagão forte… safa… era uma risota total de alegria enquanto algumas
almas mais escandalizadas nos iam lançando uns olhares_zinhos daqueles bancos
da Igreja … voltei a vê-lo outras vezes
até àquele dia em que parti que conheceis bem…!
Esta noite recebi um telefonema… não reconheci logo a voz…
era ele imaginem… com uma alegria… a dizer-me que tinha sido baptizado... a
madrinha tinha sido a tal “pomba” e o padrinho um amigo… a perguntar-me quando
lá ia fazer-lhes uma visita…!
Bom… que noite tremenda... chovia lá fora e também “chovia”
dentro do meu quarto… quase foi necessário mudar a capa do travesseiro… mas
essa é outra estória entre mim e o Pai…
3 comentários:
Com ele (não citei o nome para respeitar a privacidade dele…) existiam mais alguns jovens “feridos” que faziam parte do seu grupo… foi um desafio para mim naqueles tempos… criavam um espaço humano onde mais aprendi a amizade verdadeira no Pai… muitas saudades destes corações meu Deus…
Um bom dia para todos.. abraçosno Pai...
Graças, Pai ...nada mais se consegue dizer face a tão belo testemunho !
Belíssimo... e creio que muitos mais poderão acontecer!
Um abraço.
Lila
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