Estando um Monge em Matinas com os outros Religiosos do seu Mosteiro, quando chegaram aquilo do Salmo, onde se diz que mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem, que já passou,
admirou-se grandemente, e começou a imaginar como aquilo podia ser.
Acabadas as matinas, ficou em Oração, como tinha de costume: e pediu
afetuosamente a Nosso Senhor se servisse de lhe dar inteligência daquele
verso. Apareceu-lhe ali, no coro, um passarinho, que cantando
suavíssimamente, andava diante dele dando voltas de uma para a outra
parte, e deste modo o foi levando pouco a pouco até um bosque que estava
junto do Mosteiro, e ali fez seu assento sobre uma árvore; e o servo de
Deus se pôs debaixo dela a ouvir. Dali a um breve intervalo (conforme o
Monge julgava) tomou o vôo e desapareceu com grande mágoa do servo de
Deus, o qual dizia mui sentido: Ó passarinho da minha alma, para onde te
fostes tão depressa? Esperou. Como viu que não tornava, recolheu-se
para o Mosteiro, parecendo-lhe que aquela mesma madrugada depois de
Matinas tinha saído ele. Chegando ao Convento, achou tapada a porta, que
de antes costumava servir, e aberta outra de novo em outra parte.
Perguntou-lhe o Porteiro quem era, e a quem buscava. Respondeu-lhe: Eu
sou o sacristão, que poucas horas há que saí de casa, e agora torno, e
tudo acho mudado. Perguntado também pelos nomes do Abade e do Prior, e
Procurador, ele lhos nomeou, admirando-se muito de que não o não
deixasse entrar no Convento, e de que mostrava não se lembrar daqueles
nomes. Disse-lhe que o levasse ao Abade: e posto em sua presença, não se
conheceram um ao outro; nem o Monge sabia que dissesse, ou fizesse,
mais que estar confuso e maravilhado de tão grande novidade. O Abade
então, iluminado por Deus, mandou vir os Anais e histórias da Ordem:
onde, buscando, e achando os nomes que o Monge apontava, se veio a
averiguar com toda a clareza que eram passados mais de trezentos anos
desde que o Monge saíra do Mosteiro até que tornara para ele. Então,
este contou o que lhe havia sucedido, e os Religiosos o aceitaram como a
Irmão seu do mesmo hábito. E ele, considerado na grandeza dos bens
eternos, e louvando a Deus por tão grande maravilha, pediu os
Sacramentos, e brevemente passou desta vida com grande paz no Senhor.
Este
é o exemplo. Vede agora, que se a música de um passarinho pôde entreter
aquele Monge trezentos anos com tanto gosto seu, que lhe pareceram
poucas horas, e ainda desejasse que durasse mais: como não bastará a
vista de Deus, que é um bem onde se encerram juntos infinitos bens, para
suspender a nossa alma sem fastio, nem cansaço, por toda eternidade?
Antes, com satisfação, e gozo tão cabal, como se naquele instante
começasse a ver a Deus.
3 comentários:
Também houve um passarito que passou por aqui e levou uma certa partilha de um monge. :o(
... este atarantado esteve menos anos entretido com tal chilreio… e o pior é que os que lhe aturaram as rebeldias e garguejos madrugueirais sussurrantes ainda andam por ali a salmodiar pelos claustros salvo alguns que escolheram ficar definitivamente com tais pardais nesse voo da eternidade…
...a ver vamos se o porteiro Mor está bem disposto e a outra passarada vestida da cor das andorinhas anda por aquelas bandas numa acalmia ondulante de sorrisos… porque de contrário, teremos pela certa passarinho frito com escabeche para o jantar… risos
… e mais não digo.. a não ser que, se tal jantar tiver que ser servido… pelo menos que os convidados se banqueteiem com tal piteú regado com um bom azeite galo cá da nossa terra… esse Portucale vendido aos bárbaros troykianos … porque monge fez voto de não trincar a carne de galináceo… ou outra espécie venenosa para o colesterol monacal…
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