Partilho aqui uma entrevista de 2006 ao Teólogo Andrés Torres Queiruga que
alguns de nós já conhecemos! Achei este material muito rico e forte!
Desafio-vos a aprofundá-lo depois no vosso coração!
Por que ser cristão ainda hoje? Quais as razões de ainda ser cristão numa sociedade mediada pela técnica e pela ciência, ante a secularização que é característica da pós-modernidade?
Andrés
Queiruga - No fundo, pelas mesmas razões de sempre. É todo o nosso ser que clama pela
Transcendência. Há épocas que o tornam mais difícil: épocas de “eclipse de
Deus”, como disse Martin Buber (não de “silêncio de Deus”, como se diz às vezes
com demasiada alegria e pouco respeito por seu amor incondicional!). A
secularização aponta a um desses eclipses. Porém não é um eclipse total. O que
nos pede é um esforço por reencontrar e repensar Deus na nova circunstância,
primeiro em nós, os e as crentes; e logo, para saber poder anunciá-lo de
maneira crível aos demais. Morreu um cristianismo pré-moderno. Porém diante de
nós está todo o futuro de Deus, se soubermos ser fiéis aos novos apelos.
Por
que crer em Jesus? Quais os seus argumentos para a fé, nos dias atuais, no Deus
uno e trino, na ressurreição e na segunda vinda de Cristo?
Andrés
Queiruga - Cremos, ou, concretizando, creio pessoalmente em Jesus, porque nele
encontro expressa em palavra e, sobretudo em obra e vida, essa abertura
fundamental à presença de Deus. Jesus não foi, por sorte, o único na
história humana em expressar essa Presença. Mas é aquele em quem encontro a
maior e, em definitivo, insuperável manifestação do que nosso coração e nossa
história estão buscando. Porque ele nos abriu o Mistério definitivo: o de um
Deus que ama sem reservas – bons e maus! - e perdoa sem condições. Um Deus
que, entregando-se em seu amor salvador, faz-nos viver de sua vida e de seu
Espírito, fazendo-nos filhos e filhas no Filho. Por isso, em Jesus
compreendemos de maneira plena e integral o que, em seu amor de Abbá, Deus
estava realizando desde o começo da humanidade: que Ele não nos deixa cair na
morte, que nos ressuscita. A segunda vinda de Cristo é assim um símbolo da
esperança final: ressuscitando-nos a todos, no final, quando acabar o tempo –
não sabemos como – nos encontraremos reunidos na grande família de filhos com o
Filho. Então, segundo a magnífica visão de são Paulo, Deus “será tudo em
todos”.
Em
que medida os valores do cristianismo nos ajudam a conviver melhor com os
outros seres humanos, com os animais e com a sociedade em que vivemos?
Andrés
Queiruga - Só podemos levar a sério a nossa filiação, só creremos sem hipocrisia em
Deus como Pai/Mãe, se vermos e tratarmos os demais como irmãos e irmãs. E não
“de palavra e de boca, senão com obras e em verdade”. De fato, esta intuição,
inclusive oculta e bastante deformada pelos defeitos da cristandade, fecundou a
história, como apareceu nos ideais da revolução francesa: liberdade, igualdade,
fraternidade. O que se nos pede hoje, insistindo principalmente na
fraternidade, é encarnar este ideal – que confessamos em teoria – numa práxis
conseqüente que busque alcançar os excluídos e marginalizados. E, se à
idéia de criação por amor unirmos hoje a consciência evolutiva, compreenderemos
que a criação é universal: somos constitutivamente solidários de todo o cosmo,
desde o último átomo ao animal mais elevado. Nela vivemos e vamos construindo a
nossa vida. Toda a criação é nosso “corpo”: somos graças a ela e ela alcança em
nós a consciência, a liberdade e o amor. Isso, se se quer, é antropocentrismo.
Porém antropocentrismo solidário e fraternal. Não é preciso igualar tudo ou
ignorar que a humanidade é a “flor da evolução”, para compreender que,
justamente por isto, devemos olhar com profundo agradecimento, respeito e amor
todas e cada uma das criaturas.
Fé e
razão são incompatíveis ou complementares? Como podem os ensinamentos de Jesus
conviver com o discurso da ciência?
Andrés
Queiruga - Fé e razão são dois modos ou intencionalidades distintas de nossa relação
com o mundo, com o único e idêntico mundo. São visões complementares, pois
respondem a distintas necessidades da mesma humanidade. O processo cultural
pôs a descoberto sua diferença. Porém somente uma má interpretação pode
traduzir a diferença por antagonismo. Estamos hoje em condições de compreender
que a diferenciação cultural é um ganho para todos, desde que renuncie ao
imperialismo da própria visão, evitando invadir as competências alheias. A
Igreja teve que aprendê-lo duramente, quando, a partir de uma falsa leitura da
Bíblia, invadiu o terreno da ciência. Hoje também a ciência deve aprender a
lição: também ela não deve invadir o terreno da religião (nem o da filosofia).
Com relação ao princípio e à lucidez histórica, a batalha da justa compreensão
está ganha. Mas, na prática, nem todos a compreenderam ainda. Karl Rahner fez a
advertência de que convivemos com pessoas que estacionaram no século 19. Se o
dizia aos teólogos, vale igualmente para os cientistas. Controvérsias como as
do Criacionismo vs. Evolucionismo são, neste sentido, um espetáculo triste... e
anacrônico. Eles agem com positivismos cientificistas indignos da ciência atual
e com literalismos fundamentalistas que são uma vergonha para a teologia.
Qual
é a interferência de Paulo de Tarso nos ensinamentos transmitidos por Jesus
Cristo?
Andrés
Queiruga - Paulo não tratou diretamente com Jesus de Nazaré. Isso lhe permitiu
meditar teologicamente sobre o significado de sua vida e de sua mensagem. Isso
lhe permitiu igualmente explicitar aspectos e abrir profundidades que antes não
se haviam percebido com clareza. Como dizia Blondel, no que se vive
imediatamente – no l’implicit vecu – há sempre riquezas que não se
percebem nem podem fazer-se conscientes de imediato. Junto com outros autores
do Novo Testamento, Paulo foi um grande explicitador e um eficaz organizador.
Porém, como em todo o humano, também isso teve seu preço: concentrou sua
teologia no final da vida de Jesus. Ademais, interpretou sua morte-ressurreição
de uma maneira excessivamente pontual e sacrifical. Isso pode levar ao
mal-entendido de converter numa espécie de ato cúltico (realizado na Cruz, para
reconciliar-nos com Deus) tudo o que em Jesus foi o processo e o exemplo de sua
vida inteira, de sua atividade e de sua palavra. É preciso superar esse perigo
de unilateralidade, completando a profundeza da morte-ressurreição com uma
dialética integradora que recupere toda a riqueza da vida de Jesus, pois é ela
que lhe dá fundamento e sentido. De fato, foi isso que, no fundo, levou a
escrever os Evangelhos que, por isso, têm o caráter de uma biografia – embora
seja no estilo de então – que ensina ser seu inteiro destino o que constitui
tanto a revelação de Deus, como o modelo integral da vida cristã.
Quais
são os maiores desafios do cristianismo no século XXI?
Andrés
Queiruga - Do ponto de vista teórico, o desafio é repensar todos os grandes temas
da teologia, ultrapassando fundamentalismos e tradicionalismos, e recuperar seu
significado para a vida cristã. Já do olhar eclesial, é desafiador democratizar
profundamente o governo da Igreja, superando toda discriminação interna –
sobretudo, a da mulher – e eliminando o autoritarismo, em direção a uma
comunidade inclusive “mais que democrática”. Isso o quis e o mandou Jesus de
maneira explícita: “Sabeis que os chefes das nações as dominam como senhores
absolutos, e os grandes as oprimem com seu poder. Não há-de ser assim entre
vós, senão que, quem queira ser grande entre vós, será vosso servidor, e quem
queria ser o primeiro entre vós, será vosso escravo”. Com relação à missão
no mundo, o desafio é gerar sentido e esperança, mostrando-o principalmente no
serviço comprometido com os mais pobres e abrindo-se, com generosidade
fraternal, ao diálogo e à colaboração com as demais religiões.

2 comentários:
Santa tarde...
O encontro correu bastante bem com o Irmão que manda abraços a todos e está unido em comunhão na oração! Falta só acertar alguns detalhes e datas, mas está muito próximo o caminho... orem por tudo...
Melhoras aos enfermos e bom tempo de férias e de descanso...
Nele que nos ama infinitamente...
Obrigada por mais esta partilha. Para ler com atenção.
Quanto ao teu caminho, oro sim. Abraços fraternos para ti e Irmão
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